O Lado Negro do Petróleo (I/IV)

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Ainda que bem recebida por inúmeras famílias e empresas espalhadas por todo mundo, tem causado espanto a descida acentuada e abrupta do preço do petróleo. No entanto, uma leitura mais atenta e documentada sobre as idiossincrasias desta matéria-prima permitirá entender melhor o porquê de tal queda e dos factores que influenciam a sua cotação.

Apesar das muitas teorias avançadas na tentativa de explicar tal evolução – umas mais plausíveis que outras – a verdade é que o preço do “ouro negro” obedece a condicionantes, que, regra geral são ignorados, pela opinião pública, que atiram por terra todas as ideias pré-concebidas (intencional, ou levianamente veiculadas).

Comecemos pela bitola do preço do crude, que chega a ser mais referenciado nos boletins de informação que o preço dos combustíveis: a sua cotação nos mercados de futuros. Não há nada mais enganoso, para a opinião pública, que enfocar a atenção nesta cotação. Por quê? Muito simples. Todos sabemos que hoje em dia, com poucas centenas de euros, qualquer pessoa pode abrir uma conta de trading e transaccionar seja que activo for, incluindo o petróleo cotado nos principais índices de referência, através de instrumentos derivados (futuros, CFDs, warrants, por exemplo). Para esse preço, normalmente do contrato de futuro com a maturidade mais curta, (1) concorrem não só as opiniões especulativas da miríade de pequenos “apostadores”, como também de pesos-médios e, sobretudo, dos grandes tubarões do mundo financeiro, que movimentam milhões de contractos por dia que valem milhões de barris de petróleo. Agora, interrogue-se o leitor, quantos destes milhões de barris efectivamente trocam de mãos, ou quantos é que são realmente entregues ao titular destes instrumentos derivados?! Se pensou em “nenhum”, não terá errado por muito. Já agora, quantos barris de petróleo é que o leitor consome por dia? Ou por mês? Da matéria-prima, tal e qual? Nenhum. Certo? “Ah! Mas abasteço o automóvel todas as semanas…” Ok, mas isso é outra coisa. Já lá iremos…

O que se quer dizer com esta chamada de atenção? Que a cotação que releva para a economia mundial, e mais concretamente de qualquer país, que não seja produtor e exportador de crude, não é a dos instrumentos financeiros.

Retomando a questão levantada atrás sobre o consumo de barris de petróleo. Se esta fosse colocada a uma empresa “petrolífera”, obviamente a resposta seria outra. E o preço a que “adquire” a matéria-prima para transformá-la em combustíveis, por exemplo? Será a dos mercados financeiros? Não. Então, por que é que os porta-vozes das empresas “petrolíferas” vêm sempre justificar-se com a “cotação nos mercados internacionais” para fazer flutuar o preço dos combustíveis?

Aprofundemos o tema “empresas petrolíferas”. Na realidade, o uso desta expressão para definir as empresas que “trabalham” com petróleo revela-se demasiado vaga. Neste meio, o mais normal é o leitor enumerar as empresas integradas que abarcam todas as fases compreendidas entre a prospecção de “ouro negro” e a distribuição de combustíveis. Não obstante, pelo meio há operações como a extracção, depuração, transporte, refinação, até chegar às estações de serviço. Empresas que abarquem todas estas fases não são muitas, a nível mundial. Trata-se de organizações colossais, tecnologicamente muito avançadas, que empregam milhares de pessoas em todo mundo, cujos quadros estão pejados de profissionais altamente qualificados nas mais variadas áreas do conhecimento, que geram mais dinheiro que a maioria das economias mundiais e que se fazem valer dos argumentos mais convincentes para “persuadir” as elites dos países “donos” de importantes jazidas de crude – sobretudo, daqueles em vias de desenvolvimento, e sem capacidade de investimento público, nem meios tecnológicos para extraí-lo (2) – para recebê-los de braços abertos no seu terraço. Quando uma representação destes titãs bate à porta para discutir a possibilidade de extrair petróleo no “quintal” destes países menos apetrechados nunca vêm dispostos a negociar muito. Além das prendas de “cortesia” para os “anfitriões”, trazem com eles investimento, postos de trabalho, pagamento de royalties e de impostos. Em troca, negoceiam contractos de exploração de muito longo prazo e, um preço marginal balizado pelos barris de petróleo extraídos. Se a cotação nos mercados internacionais servir de alguma referência, será, principalmente, para indexante do cálculo dos royalties e dos impostos a pagar no país abençoado pela existência de “ouro negro” no seu território, ou eventualmente para rever os preços por barril contratualizados.

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Por isso, quando as empresas “petrolíferas” invocam a cotação internacional do preço da matéria-prima como justificante para fazer variar o preço dos combustíveis, não estão a fazer mais do que navegar o desconhecimento do consumidor de combustíveis na matéria. Aliás, se os mercados de instrumentos financeiros indexados à cotação do petróleo servem para alguma coisa, para além de especular, é para fazer cobertura de risco. Com isto se pretende dizer que, ao contrário do que querem fazer querer à opinião pública, as empresas petrolíferas não estão expostas ao risco de evolução da cotação do crude, muito menos no curto prazo. Se se atentar na evolução do preço internacional da matéria-prima, ao dia a que este artigo foi redigido, a queda de quase 2/3 do seu valor expresso em dólares desde Junho, não teve igual repercussão nos preços dos combustíveis, por exemplo. Ainda assim, as empresas de distribuição de combustíveis só os baixaram para não quebrar esse nexo de causalidade percepcionado pelo consumidor e evitar que este se “aventure” em explorar e/ou aprofundar formas alternativas de diminuir a sua dependência dos produtos derivados do petróleo.

Do que se expôs até aqui, pretende-se ajudar a desmistificar a maioria do frenesim mediático que gira em torno da evolução daquilo que os boletins informativos designam pela “cotação internacional do crude”. Primeiro, porque a inter-relação entre o petróleo – activo financeiro – e a economia real não é não é assim tão relevante, pelo menos para o consumidor comum. Segundo, as razões explicativas que alguns “pseudo-especialistas” insistem em debitar nos meios de comunicação social com base nos fundamentos do crude – de âmbito temporal alargado – têm (muito) pouca validade para explicar dinâmicas de preço técnicas. Isto é, específicas dos mercado de derivados cujos volumes de transacção são maiores – futuros e/ou opções – e para cúmulo, de curto prazo. É um erro comum e ancestral tentar racionalizar realidades desconhecidas sem fazer uma abordagem sistemática.

(Continua)

  1. Até um determinado dia da semana, convencionado pela bolsa onde o contrato é transaccionado – e de conhecimento público – recorre-se ao contrato que expira no mês seguinte (n+1). Depois dessa data convencionada será n+2.
  2. Cujo território abençoado pela existência de ouro negro no seu subsolo contribuiu para economias completamente desarticuladas e incipientes sem qualquer forma de geração de riqueza que não seja pelas contrapartidas que decorrem do contratualizado com as empresas “petrolíferas”. A implantação de regimes despóticos só favorece os interesses destas companhias em claro detrimento das populações destes países que subsistem em condições no limiar da sobrevivência.

A contar os pingos de suor…

Ontem, Mario Draghi encheu-se de coragem e do alto do estatuto que a presidência do Banco Central Europeu lhe confere assegurou ao mundo que salvará o euro.

Como?! Não especificou, apenas que seria o bastante.

De retórica – já deveríamos estar fartos – não sobrevive a moeda única nem a UE. E ao que parece a credulidade dos mercados, e dos investidores que os agitam, não tem limites. A julgar pela reacção positiva…

A verdade é que se tem percorrido a hierarquia, na condução da política económica, nas declarações ao mundo. Isto para dizer que se os líderes dos países mais proeminentes da UE se limitam a fazer declarações ricas em palavreado e férteis em contradições, evidenciando desnorte e falta de clarividência, eis que agora surge a autoridade máxima da política monetária com uma declaração firme e objectiva. Chegará? É que não se vislumbra mais ninguém na calha que possa infundir ânimo e/ou tranquilidade aos mercados (e porque não aos cidadãos da UE).

Há uns anos tentava aferir-se pelo volume da maleta de Alan Greenspan, então presidente da Reserva Federal dos EUA – banco central lá do sítio – se este se preparava para fazer subir as taxas de juro directoras ou não: muito volume implicava justificações, logo subida.

Desta feita gostava de ter visto quantos pingos de suor Draghi tinha na sua testa quando fez as declarações.

Está de ressaca?! Embebede-se mais um pouco… (II)

Parte II

O que é que está a correr mal?

Presentemente, a persistência de taxas de juro reais de curto prazo negativas – e não muito longe disso a médio e longo prazo – e os elevados níveis de liquidez têm-se revelado ineficazes para ressuscitar a actividade económica. Senão vejamos:

  • a diminuição drástica do preço relativo do dinheiro deveria ter levado à substituição de poupança por consumo/investimento – nem por isso;
  • com o embaratecimento do preço do dinheiro seria expectável que a percepção do poder de compra dos agentes económicos viesse ampliada. Isso reforçaria a opção pelo consumo/investimento – não foi o caso;
  • a prazo, uma vez que estas medidas se alongariam no tempo era suposto os agentes económicos sentirem-se encorajados a fazer mais uso do seu rendimento perante um cenário com menos constrangimentos. Ainda assim este efeito riqueza favorável não surtiu o efeito desejável mesmo depois da escalada que “parecia imparável” nos activos de risco já mencionados.

O que é que está a correr mal?! Para começar, é um dado adquirido que as autoridades monetárias – bancos centrais – definem e induzem a política monetária. Todavia dependem largamente de outro elo as outras instituições criadoras de moeda – bancos. Pois são estes últimos que depois das perdas registadas com o crédito concedido com pouco critério, num primeiro momento, e mais recentemente com a incerteza relacionada com o enquadramento regulamentar do sector que têm condicionado o objectivo governamental de alimentar a economia com crédito barato. Alguns dedos acusadores que pregam retórica insidiosa responsabilizam as instituições financeiras de não cumprirem o seu “papel social”. Na verdade apenas aplicam a disciplina e o rigor que lhes são exigidos na concessão de crédito. Ainda assim, o problema maior é uma notória redução da procura agregada que por sua vez se reflecte numa contracção nos créditos contratados.

Foi a degeneração do sector financeiro “sombra” que aniquilou a procura agregada marginal forçando as empresas mais alavancadas ou com margens de exploração mais magras a fechar. As políticas de sustentação da procura conjunturais implementadas pelos governos e as redes de protecção social evitaram que a sangria de postos de trabalho fosse maior.

A necessidade de corrigir os défices orçamentais dos Estados, de dar continuidade ao processo de desalavancagem quer das famílias quer das empresas e as fracas perspectivas de crescimento económico conduzem todos à mesma tomada de posição: aumento da poupança. Se nesta conjuntura o aumento de receitas se adivinha bastante complicado então terá de ser maioritária e forçosamente do lado da despesa que o ajustamento se fará. Seja nas decisões de consumo, que combinadas deprimem ainda mais a procura agregada, seja nas decisões de investimento por parte das empresas ambas dão corpo a uma redução da escala da despesa e concorrem ambas para o aumento do desemprego e consequentemente para novo golpe na procura. De referir que a volatilidade na amplitude e duração das políticas de austeridade agudiza a necessidade de realização de poupança e de contenção dos gastos o que por conseguinte reforça o impacto negativo na procura agregada.

E agora?! O que fazer?!

Nesta encruzilhada de: revisão em baixa do produto potencial; luta contra a ameaça da deflação, correcção de défices orçamentais; grande incerteza legislativa ao nível fiscal e de enquadramento regulamentar da banca; subida da fasquia do desemprego estrutural, a cartilha que serve de guião para os políticos actuais parece obsoleta.

Quanto à riqueza gerada a nível global – exceptuando os focos de crescimento centrados nos países emergentes – teremos de nos contentar com um ritmo mais lento. Ressalva-se a descoberta de algum mecanismo, uma mudança de paradigma, que potencie a produtividade dos factores e que permita uma acumulação de riqueza mais sustentável do que aquela proporcionada pelo sistema financeiro “sombra”.

A deflação continua a pairar sobre a actuação dos Bancos Centrais que têm recorrido a políticas não ortodoxas de monetização de dívida pública avolumando os seus balanços para aumentar a base monetária. Com isso procura-se aliviar os constrangimentos no financiamento a curto prazo da banca colocando à sua disposição liquidez com custo negligenciável ou mesmo abaixo das taxas directoras (como acontece com o BCE). O que se tem observado na prática tem sido uma progressão lenta dos agregados monetários e uma diminuição da velocidade de circulação da moeda, reflexo duma menor procura por moeda, logo por empréstimos. Todavia, a única inflação que as medidas de fomento de liquidez induziram foi a que proveio dos mercados financeiros:

  • o único efeito detectável na taxa de inflação da economia real foi alimentado pela subida dos preços das commodities. A reciclagem de dólares americanos levada a cabo pelos países emergentes nos mercados de commodities e o interesse despertado nos investidores especulativos complicaram ainda mais a conjuntura ao aumentar, num primeiro momento, os custos de produção canalizados posteriormente, nalguns casos, para os consumidores;
  • fora da compilação de dados estatísticos para o apuramento da taxa de inflação, a enxurrada de meios líquidos canalizados para o sistema financeiro, a redução dos prémios de risco bem como o custo de oportunidade da liquidez negativo (leia-se taxas de juro reais de curto prazo negativas) reflectiu-se na escalada dos preços dos activos financeiros de risco já anteriormente mencionados. Aliás perante a abundância de dólares americanos – um dos bancos centrais mais generosos – assistimos a uma tendencial depreciação desta divisa e à valorização dos activos de risco denominados , maioritariamente, nesta moeda.

Os países em ciclos de austeridade fiscal além de estarem, como já foi referido, a acentuar a contracção na actividade económica estão também a contribuir para a paradoxal sustentação da inflação com a oneração dos bens e serviços. Quanto ao processo em si a necessidade de reequilibrar os orçamentos fiscais proporciona uma oportunidade única para os governos corrigirem a trajectória insustentável das finanças públicas bem como para redefinirem o papel do Estado na sociedade.

As incertezas, legislativa ao nível fiscal e, de enquadramento regulamentar da banca assumem-se como nuvens cerradíssimas a ensombrar a actividade económica. São estas que impedem as famílias e as empresas – agentes económicos mais numerosos e relevantes da economia – de tomar decisões firmes de consumo e investimento a médio/longo prazo. A confluência destes dois vectores contribui, como já foi aqui apresentado, para uma retracção maior de ambos e consequentemente da actividade económica.

Esta questão leva-nos ao problema maior: o aumento do desemprego estrutural (com tendência a agravar-se pela crescente mecanização da actividade económica). Isto explica-se pela retracção do produto potencial e pelo actual excesso de capacidade instalada na economia global. O mesmo é dizer que esta se encontra sobredimensionada para aquilo que é considerado o “novo padrão normal” de consumo. Isto explica também em parte as reservas que as empresas colocam em pôr em prática planos de investimento: não há procura para a escala em que se encontram. Ou se dá continuidade aos movimentos de fusão e aquisição que tiveram início logo após a normalização do primeiro impacto da crise financeira ou então continuaremos a assistir ao emagrecimento dos balanços das empresas. As consequências estão à vista sendo que banca é claramente o candidato mais forte a esse movimento de consolidação. Já se sabe que estas operações não são propriamente criadoras de postos de trabalho. O que acaba por ser mais preocupante é essa capacidade excedentária de mão-de-obra, principalmente nos países desenvolvidos, que só a demografia pode pôr cobro. Explorar o melhor momento dos países emergentes pode ser uma saída mas não se afigurará duradoura. Enquanto não encontramos antídoto para esta doença “Deus nos livre” duma pandemia – a sério – ou pior, duma guerra. O desemprego estrutural acima da média tem sido um denominador comum destes fenómenos…

Fica patente, pelo que se disse, que é manifestamente impossível retomar a “festa” de outrora. Dar mais álcool para evitar a ressaca é contraproducente. O mesmo é dizer que as políticas económicas implementadas até aqui têm-se revelado ineficazes porque procuram o regresso à tendência anterior pouco saudável. É tempo de ressacar, expurgar os excessos, dar as mãos e enfrentar os desafios enunciados, unidos. Para tal é fundamental que os governos do grupo de países mais afectados cheguem a um consenso abrangente. Meias medidas e unilateralismo não chegam. Para o futuro convém repensar os mecanismos que previnam a ocorrência de bebedeiras desta magnitude.

Em nota final refira-se que nunca se viu um governo não ser reeleito com uma economia fulgurante. O mesmo é dizer que é raro ver o dono do bar que não continue a fazer chegar bebidas alcoólicas a quem já esteja visivelmente embriagado. Quando é que deixa de o fazer?! Ou quando o cliente cai para o lado ou quando deixa de ter dinheiro para lhe pagar…

Miguel Albuquerque

(26/10/2011)