(Farto de) Entregar o ouro ao bandido (1/2)

foto impactante

The path of least resistance leads to crooked rivers and crooked men” [O caminho de resistência mínima conduz a rios sinuosos e a homens desonestos].

(Henry Thoreau, filósofo norte-americano do século XIX)

Sir Winston Churchill certo dia afirmou: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

No plano teórico, de acordo com a sua etimologia, a democracia deveria dar corpo à soberania popular na condução dos destinos de uma nação [do Grego: dēmokratía = demos (Povo) + kratos (Poder)]. Ainda no plano teórico – já para lá do etimológico – ou filosófico, ou político, esta forma de exercício do poder pressupõe-se universal e igualitária.

Contudo, que poderes confere o actual regime democrático ao cidadão comum? Como é que se efectiva a participação de um qualquer indivíduo, idóneo, no processo decisório sobre as questões mais relevantes no panorama local e nacional? Faz uso do seu direito (há quem considere, dever) de voto. Votando em quê? Propostas de lei? Políticas em concreto do foro da economia, da justiça, da educação, da saúde, das obras públicas, da segurança social, das finanças, do emprego, etc. e tal? Na priorização dos assuntos? Elegendo, em sua representação, os cidadãos que se vão ocupar destes assuntos?

Não! Vota-se numa de 5 organizações partidárias que se apresentam para tomar todas as decisões pelo cidadão. TODAS! Que conveniente! A saber, enunciando algumas delas:

  • Detêm o monopólio legislativo em TODAS as matérias, sem excepção;
    • redigem a seu bel-prazer todos os diplomas legais (com ambiguidades intencionais, com erros, com omissões, recorde algumas aqui);
    • dotam-nos da coercibilidade que bem entendem e “deixam” displicentemente (ou não) vazios legais, zonas cinzentas ou “nós cegos” legais que “casuisticamente” vão servir interesses de “clientes” ou compadres;
    • denotam incompetência e falta de preparação para legislar sobre determinadas matérias de importância estrutural para o país  (recorde algumas aqui);
    • quando assim é, ou abstêm-se de legislar, ou, regra geral, legislam mal;
    • não respondem perante nenhuma instituição, ou órgão do poder por todas estas arbitrariedades e /ou deficiências, senão pela direcção do partido.
  • Deliberam leviana, irresponsável, negligente e/ou imprudentemente sobre assuntos fundamentais e com implicações, directa e indirectas, que afectarão as vidas de muitos “concidadãos” das gerações que estão para vir, como sejam:
    • Educação;
    • Saúde;
    • Emprego;
    • Obras públicas;
    • Segurança Social;
    • Regulação da actividade bancária;
    • Regulação do sector da energia;
    • Justiça;
    • Finanças públicas;
    • Etc.
  • Definem, sem qualquer tipo de escrutínio, a nível local e nacional, a que entidades são adjudicadas as obras públicas de grande monta, independentemente da sua relevância para o país e do financiamento contratado – o investimento público entra nos bolsos dos prestadores dos bens/serviços no imediato e a factura é paga por “todos” ao largo de longos anos (exemplo recente aqui);
  • Determinam, sem qualquer tipo de controlo, regra geral por adjudicação directa, quais as entidades contratadas pelo Estado no fornecimento de quaisquer bens e serviços:
    • normalmente vinculadas, associadas, filiadas, detidas por membros dos partidos que normalmente alternam no poder, local e nacional (exemplo aqui);
    • como o Estado é um cliente grande para qualquer empresa, reveste-se de especial importância, contar com membros influentes dos partidos do arco do poder na folha salarial, quer como “consultores” quer como executivos;
  • Por via da sua acção disruptiva mantêm a Justiça, intencionalmente, manietada – por que será (?!) (pista aqui);
  • Controlam as nomeações para preencher cargos públicos definidos por lei bem como o número de empregos indirectos permitidos pela lei. Seleccionam:
    • Deputados;
    • Assessores: técnicos, especialistas, consultores;
    • Pessoal administrativo diverso: secretários, sub-secretários, chefes e sub-chefes de gabinete, moço de recados e sub-moço de recados, etc.;
    • Motoristas (no plural e até os 2 dígitos são escassos);
    • Seguranças;
    • Jardineiros;
    • e por aí em diante.
  • Atribuem, discricionária e descaradamente, regalias, mordomias, privilégios, alguns deles vitalícios, para os que servem os partidos:
    • Pensões (veja-se o desplante aqui);
    • Subvenções variadas (alojamento, deslocação, refeição, e outras capazes de extenuar o imaginário de cada um, como este caso);
    • Salários sultanescos, em cargos redundantes, criados à medida de alguns dos membros mais proeminentes dos partidos do arco governativo (regra geral pouco exigentes na carga horária);
    • Pacotes salariais que ombreiam com o dos tubarões mais temidos de Wall Street, com a única diferença que os beneficiários de tal bonança sejam os executivos de empresas públicas altamente endividadas e que registam, com uma regularidade impecável, perdas operacionais avultadas;
    • Fundações, com dotações milionárias vertidas directamente do Orçamento de Estado e que ninguém sabe exactamente para quê e que pagam salários e comissões a colaboradores que nada fazem…de útil.

Aproveitando a deixa do último ponto e num contexto de agravamento da acentuada assimetria na distribuição dos rendimentos em Portugal (o país regista em várias métricas valores ao nível dos mais desiguais entre os países desenvolvidos e obviamente da Europa, ver aqui e aqui), pergunto: em que sentido evoluiu a “fortuna” do cidadão comum? Piorou substancialmente fruto da política fiscal contracionista levada a preceito por aqueles que por inaptidão, incompetência e gestão danosa (e, nalguns casos, criminosa) dessangraram as finanças públicas Portuguesas.

Foi o desgoverno das contas públicas – derrapagens sucessivas na execução do Orçamento de Estado e o sobreendividamento público – que lançou o alerta sobre os mercados internacionais de crédito que passaram a duvidar seriamente da integridade (e por que não, da competência) do poder executivo. Isto explica o agravamento pronunciado nas condições de financiamento ao Estado e por inerência à economia Portuguesa. De um dia para o outro, os Portugueses vêem-se constrangidos pelo agravamento das condições de financiamento ** e a ter que suportar aumentos significativos na carga fiscal para reparar a péssima gestão dos dinheiros públicos.*** O resto da história já todos sabemos, a actividade económica que não vivia propriamente um período fulgurante, travou a fundo e com ela fecharam-se as portas de muitos negócios (uns viáveis, outros menos) e em simultâneo milhares de Portugueses se viram sem trabalho. Amargurados, frustrados, indignados, desalentados ou inconformados muitos desses milhares de desempregados (e não só) também bateram com a porta, mas em vez de esperar alguma coisa de positivo deste regime, partiram em busca dum futuro melhor que não em Portugal.

Resumindo: quem é que manda em Portugal? É o Povo?! Que soberania confere um voto a cada cidadão Português? Qual é o poder do Povo?! Escolher quem vai ser o Amo principal?! O Senhor das suas terras?! A “família” aristocrata a quem os Portugueses terão de sustentar os desmandos, os vícios, os privilégios, as mordomias e por aí em diante, numa variante do feudalismo dominado por uma aristocracia “partidária”?!

Apesar do que se possa pensar, esta comparação não é de todo descabida, senão vejamos.

Primeiro, embora aristocracia (do Grego, aristokratía) traduzida à letra significa “o governo dos melhores” (aristos= melhores; kratos=poder), isso não se verifica na prática, como sabemos, ainda que se julguem como tal. Ainda assim, por definição, esse estatuto está circunscrito a uma elite, mais ou menos exclusiva, a que estão associados toda uma panóplia de privilégios, poderes e direitos. Se noutros tempos a elite era determinada – pela importância nos desígnios da nação, como eram os senhores da guerra – a nobreza – na expansão territorial e a na conquista de novos mundos, pela descendência familiar da coroa, pertença a um grupo de interesse (lobby) influente (como a Igreja Católica), poder económico, etc., hoje em dia a filiação num partido, principalmente num daqueles que alterna no poder, ou a proximidade de um dos seus membros, é condição sine qua non para atingir outro tipo de “facilidades”, tanto maiores quanto maior o nível hierárquico do “afiliado” (deu, inclusive, tema para tese de doutoramento, clique aqui).

Segundo, debrucemo-nos sobre o carácter “hereditário” na sucessão do poder e na transmissão dos privilégios, como era apanágio nos regimes aristocráticos de outrora. Nos tempos que correm, já não são tanto os laços de sangue que validam a transferência de poderes e/ou estatutos, mas sim uma qualquer ordem natural de sucessão concebida dentro das falanges partidárias. Quanto ao processo em si, este não difere muito daquele que é levado a cabo na China, no seio do Partido Comunista Chinês. A sucessão, em qualquer dos exemplos, é completamente exógena à vontade popular. É uma inevitabilidade e os que estão na calha para sucederem ao líder actual esperam pacientemente – sem necessidade de se expor, expressando uma qualquer opinião divergente – pela sua vez. Sim, estou a referir-me aos congressos, em países que se dizem democratas como o nosso, que aclamam por quási-unanimidade – muito típico da democracia – os líderes dos partidos que alternam no poder.

Terceiro, independentemente da prestação governativa e da dimensão das arbitrariedades e abusos do poder, o pior que lhes pode suceder é verem os rivais ocuparem os cargos executivos e/ou consultivos. O país foi às cordas e alguém (das famílias partidárias, como é óbvio) saiu em desgraça? Alguém foi responsabilizado? Alguém ficou mais pobre? Alguém foi forçado a emigrar, com uma mão à frente e outra atrás?!**** Tal como outrora o estatuto de privilegiado não se perde – não obstante no passado, a traição ao Estado fosse punível, hoje em dia já não será tanto – sendo que há um entendimento tácito quanto ao estatuto de cada família partidária e na partilha dos altos cargos. Quer-se com isto dizer o que todos sabemos. Sai partido A, entra partido B. Todos os que ocupavam cargos executivos, consultivos, etc. são realocados, pela mão visível da família partidária, passando a ocupar lugares, dependendo da patente, nos conselhos de administração de empresas públicas, nos quadros das mesmas, como assessores de qualquer um dos últimos, em camaras municipais, em fundações, etc.. Felizmente são organizações que não esquecem os seus…afiliados. (exemplos aqui e aqui)

Por último, tal como noutros tempos, se a governação era irreflectida, incompetente e/ou danosa quem pagava no final era sempre o Povo. Com sorte, pagavam só com o aumento de impostos e taxas – os que podiam. A correr mal, pagavam com a vida, com famílias destruídas, com expropriações abusivas, com a miséria, com a fome e/ou com a doença. Creio que hoje em dia podemos considerar-nos afortunados!

(continua…)

 

* Eu não os considero meus concidadãos, teria de ter respeito por eles, algo que não sinto.

** Não tenho que recordar que a infiltração partidária é por demais evidente. Para além da Caixa Geral de Depósitos, refiro-me aos conselhos de administração, obviamente.

*** E Porquê? Porque deixou de ser possível ao governo “tapar buracos” com o crédito, até então, abundante e barato. 

**** Têm tanto descaramento que alguns até comentadores são!

 

Na “pré-troika” pensava-se assim…

Como almejar a consolidação orçamental necessária a fazer regressar o saldo orçamental aos limites impostos pelo PEC? Deve o Estado actuar sobre o lado das receitas ou das despesas? Ou de ambos?

Aumentar os impostos parece estar posto de parte: asfixiar uma actividade económica a sair dos cuidados intensivos seria contraproducente. Já o “investimento” na melhoria da eficácia na cobrança dos impostos poderia ter retorno visto tratar-se de um problema crónico do país.” in Não te rias do teu vizinho…“, 22/01/2010.

…medidas como reduzir o âmbito da economia paralela tem sempre efeitos positivos na receita fiscal sem onerar os (verdadeiros) contribuintes apanhando na rede os “pilantras”. Parece evidente, após consulta do código fiscal, que a emissão (efectiva) da factura traria justiça e reforçaria a equidade fiscal.” in comentário a “Não te rias do teu vizinho…”, 04/03/2011.

Sensivelmente 1221 dias depois de me ter debruçado sobre a filha da p…roblemática “Défice Orçamental” – a cobrança de impostos – sai esta boa nova:

Fisco põe na rua 2000 inspectores para fiscalizar facturas das lojas

Segundo este notícia veiculada pelo Dinheiro Vivo no dia 27 de Maio de 2013:

A Autoridade Tributária e Aduaneira vai colocar na rua cerca de 2 mil funcionários com a missão de fiscalizarem o cumprimento das obrigações de emissão de factura aos clientes e do seu envio ao fisco. A iniciativa começa esta semana e visa todo o tipo de lojas de todos os sectores de actividade.

(…)

Pelo visto para estupefacção da pedra mais distraída da calçada

este envio [de facturas] permite à AT fazer cruzamentos de dados tendo já sido detectadas milhares de empresas em situação irregular, bem como diversas irregularidades e situações fraudulentas.

Uau! Na “pré-troika” havia gente muito inteligente!

E tudo o vento (ainda não) levou…

Recentemente chamou-me à atenção uma interpelação feita por um comediante do canal Q ao ministro das finanças, Vítor Gaspar, por altura de uma série de conferências organizadas pelo PSD, partido maioritário da coligação que governa Portugal. Na circunstância, o “pretenso” jornalista do canal Q perguntou ao ministro se alguma vez ponderara seguir carreira na astrologia ou na meteorologia em face dos sucessivos erros de previsão na evolução dos principais agregados/indicadores macroeconómicos.

Fiquei sem perceber e creio até que Gaspar se safou bem da pergunta jocosa. Efectivamente, a astrologia carece de método e validação empírica comprovada –  e daí o ministro dizer que pouco entende na matéria – e tanto quanto se saiba a meteorologia tem cada vez mais provado a sua eficácia na previsão do estado do tempo – facto enaltecido por Gaspar. Pela minha leitura a pergunta envenenada até poderia ser encarada como elogiosa…

Hoje, após leitura atenta de uns quantos artigos de opinião que tinha gravado nos favoritos do meu computador pessoal vislumbrei um ponto de vista mais adequado para a analogia chistosa: previsão meteorológica da direcção e força dos ventos. Que ventos?! Os da mudança…*

Para os mais distraídos, para aqueles que têm metida a cabeça na areia, para os autistas convictos a manifestação do passado 2 de Março e os resultados eleitorais na Grécia e em Itália não tiveram qualquer impacto. Tudo rola…

O professor universitário João Cardoso Rosas (JCR) inicia o seu artigo de 6 de Março no Diário Económico (DE) com esta problemática:

“Temos assistido em Portugal a inusitadas formas de participação política mais ou menos informal: é o caso de manifestações como a do 2M, não enquadradas em termos partidários; das “grandoladas”; dos pedidos de facturas em nome do primeiro-ministro, etc.

Estes fenómenos reflectem um mal-estar democrático que muito do comentário político insiste em não compreender. Vários comentadores verberam estes protestos, enfatizando os perigos de populismo, ou chamando aos seus intervenientes “fascistas” e outras coisas do género.””

Intervalando com as indagações colocadas por Pedro Tadeu (PT) na sua crónica de 5 de Março no Diário de Notícias:

Limitou-se aquela participação cívica, notavelmente pacífica, a ser uma mera libertação colectiva de bílis? Foi apenas uma catarse inconsequente? Se houvesse amanhã eleições, em que votaria a maioria dos manifestantes? Será que iria, sequer, votar ? (…) quantos (…) estão dispostos a alinhar, de novo, no jogo da alternância, da roleta “mais do mesmo”, onde perdemos, suavemente, as fichas de democracia?

Não se trata dum frente-a-frente mas JCR concretiza:

A grande maioria deles protesta não contra a democracia representativa, mas porque esta não está a funcionar. A disfunção específica da democracia portuguesa (…) é uma consequência directa do processo de europeização. (…) Ou seja, a Europa foi uma forma de criar bem-estar e, assim também, legitimar o regime que promoveu a europeização. Mas esse processo acabou. Neste momento a Europa está associada à austeridade e ao empobrecimento.

Por outro lado, o reforço dos mecanismos da construção europeia retirou aos cidadãos a possibilidade de escolher e influenciar decisivamente a política nacional, especialmente nos países do euro. A margem de manobra das políticas nacionais ficou extremamente reduzida.”

E o que fez este governo?! Vestiu a sua capa de prepotência – algo em que Vitor Gaspar efectivamente excele – sovando, até ao estado crítico em que se encontra, a democracia representativa.

JCR noutro artigo de fino recorte publicado também no DE datado de 13 de Fevereiro explica como:

(…) “este Governo considera que não precisa, ou mesmo que não deve, comunicar essas decisões [relativas ao Estado Social e à cobrança de impostos]. Ou seja: o Governo tem uma postura anti-democrática assente em princípios. ” (…)

A primeira dessas fontes [ideológicas nas quais os princípios estão assentes] é uma vertente do pensamento liberal que vai do neoliberalismo (F. A. Hayek, etc.) ao libertarismo contemporâneo (e.g. R. Nozick). Este liberalismo é anti-democrático na medida em que considera que há um conjunto de questões e políticas correspondentes ao enquadramento de um Estado mínimo, ou pouco mais extenso do que isso, que não devem estar sujeitas à discussão e à decisão democráticas. Se essas questões – por exemplo o nível de impostos – passassem para o debate da cidadania, o resultado seria um Estado bem mais extenso do que o Estado mínimo. No discurso politico corrente, esta visão de um certo liberalismo exprime-se na famosa TINA, de Margaret Tatcher: “There is no alternative”. Porque não há alternativa, ou se considera por princípio que a alternativa é má, não há que consultar os cidadãos.”

[Ora pois!]

Uma segunda fonte ideológica para a vontade de não comunicar é uma aplicação ao discurso político corrente do pensamento de Leo Strauss e dos seus seguidores, segundo o qual o conhecimento da Filosofia Política deve ser restrito a uma elite – auto-nomeada – e escondido do povo, incapaz de compreender o que é essencial.”

[coitadinhos de nós, todos padecemos de défice cognitivo agudo]

Assim, quando o Governo diz que os portugueses têm de decidir se querem ou não sustentar o Estado que têm, a pergunta implícita nessa frase é apenas retórica (…) Essa questão foi colocada fora da esfera democrática.” (…) “Neste contexto, a descrença nos mecanismos democráticos nacionais é inevitável.”

Em cima disto tudo – que já não é pouco – o descontentamento e a indignação por manifestas e evidentes demonstrações de incompetência, inércia, falta de zelo, falta de transparência, corrupção, etc, protagonizados pela classe política, particularmente pelas suas organizações partidárias corporativistas. Acrescenta-se um pouco de justiça disfuncional – claramente sabotada pelas organizações partidárias – e temos um cocktail altamente inflamável.

“A justiça é uma senhora cega que julga toda a gente por igual. Não discrimina as pessoas por cor, religião, opção sexual ou pelo poder que detêm. Mas em Portugal parece que a dita senhora levanta a venda que lhe tapa os olhos sempre que um poderoso se aproxima de um tribunal.” (Excerto da crónica de Luís Rosa no jornal i de 28 de Fevereiro).

Com este estado da nação, no seio desta democracia mal representada começam a fazer sentir-se os ventos de mudança  – mais do quadrante sul –  oriundos da Grécia e de Itália. Novas forças políticas que irrompem por entre os partidos corporativistas – Syriza na Grécia e Movimento 5 Estrellas em Itália – apresentam-se como alternativa. “Têm a uni-los apenas uma única coisa, prática: mandaram o consenso oposicionista às malvas e tentaram um projeto próprio, viável, de conquista do poder“, voltando a citar o artigo de PT.

Uhhhhh! O establisment já vacila. Pelo visto está em apreciação uma petição para proceder à revisão do artigo 151º da Constituição da República Portuguesa. O tal que dispõe que só os partidos políticos podem concorrer a eleições legislativas deixando de fora os movimentos independentes. Imaginem o que seria os partidos políticos perderem o monopólio do processo legislativo e com ele o habitat propício a toda este…despautério!

Concluo com a constatação deixada por Adriano Moreira) na sua crónica de 5 de Março no Diário de Notícias:

A ordem e serenidade das vítimas dos erros da política de novo-riquismo demonstram que o civismo é um valor que resiste à quebra do valor da confiança na governança que lavra por todo o Ocidente. É seguramente mais inquietante que pareça necessário afirmar que os responsáveis pela ordem garantem a governança, isto é, o civismo da população de que aquela depende, do que manter a certeza de contar com a boa ordem porque o valor da confiança não foi afectado pelo enfraquecimento da legitimidade do exercício.

É verdade que na actual conjuntura fazer cair o governo e com ele, eventualmente, o apoio dos credores internacionais pode ser “pior a emenda que o soneto.” Certamente terá o povo Português muito mais a perder que essas organizações partidárias corporativistas: como as coisas (ainda) funcionam seriam os últimos a perder o emprego e com isso todas as regalias e privilégios que – ilegitimamente (opinião pessoal) – acumulam.

Estivesse esta dialéctica a ter lugar numa mesa de poker e seria prudente advertir: o nosso jogo não é grande coisa mas não abusem da vossa mão por que cada vez mais nos convencemos que não têm NADA!

* Se Vítor Gaspar e “sus muchachos” fossem uma equipa de meteorologistas seriam tão medíocres que seriam capazes de reportar uma previsão de tempestade tropical moderada quando na calha estivesse um furacão de categoria 5!

O preço da …ência!

A contagem da míriade de “trapalhadas” a que nos têm habituado as pessoas que passam pelos orgãos de representação do estado – e que para não fugir à regra lesam o interesse comum – voltou a mexer. Para cima, claro!

Pois bem, para acabar com a ansiedade passo a dar a conhecer a última. Segundo a“Auditoria ao sistema de controlo das deduções por dupla tributação económica dos lucros distribuídos” levado a cabo pela Inspecção Geral de Finanças (IGF) em Julho de 2011 (detalhe: só agora tornado público) a “decisão de Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em Outubro de 2011, sobre a forma de calcular o rendimento das empresas passível de dedução para evitar a dupla tributação está a custar “largas dezenas de milhões de euros” ao Estado.” Ohhhhhh! Vejam só! O Estado lesado. Outra vez! Que surpresa…

No relatório do IGF ainda se pode ler que “a opção do legislador português pelo método da dedução ao rendimento, para efeitos da eliminação/minimização da dupla tributação”, resulta em “efeitos muito expressivos na erosão das receitas fiscais, enormes dificuldades na determinação da tributação efectiva a montante, complexidade na actuação em situações em que houve tributação efectiva a taxa reduzidas”. Caso o governo optasse “pelo método do crédito de imposto”, diz a IGF, estes efeitos negativos seriam evitados”. Chame-se a atenção apenas para um “pequeníssimo” detalhe (pequerruchinho, mesmo): a auditoria é anterior à implementação da lei. Certamente o secretário de estado preferiu dar ouvidos aos escritórios de advogados da – sua – praça…

Adiante, vamos ao que interessa: perdem-se uns milhares de milhões de euros aqui e ali mas logo se vão buscar outras centenas acolá. Onde?! Não interessa. Arranja-se sempre um discurso a apelar à penitência pelos pecados cometidos e logo um novo imposto para purgar os pecadores de sempre!

Há umas semanas o presidente executivo do BPI, o senhor Fernando Ulrich – que também é apologista da mesma linha dura no caminho da redenção – asseverou que o país “aguenta“! Fico contente: ainda bem que alguém que passa as mesmas dificuldades dos “pecadores” tem fé…

…ência! Estamos a pagar a factura da …ência! Até quando?!

Silogismo do dia

Se João Vale e Azevedo é “um dos maiores burlões da história [de Portugal, assume-se]” então os que sonegaram a tranquilidade ao futuro dos Portugueses pilhando-os são o quê?!?!?! Heróis da nação escumalha?!

A ideia que fica é que o maior crime que este senhor – tão hábil quanto os que (se) serviram (d)o país – cometeu foi ter roubado a instituição errada. Pois parece que ir aos bolsos do clube do qual foi presidente é mais grave que comprometer seriamente a sustentabilidade financeira do país.

No fundo, é tudo uma questão de silogismos, nada mais!