Para fazer jus, ao título remato com razões de carácter geopolítico que a opinião pública teima em ignorar:
- Comecemos pelo simples facto de que o principal consumidor de petróleo é também um dos principais importadores. Se pensa que estou a falar da China, quase que acertava – hoje consomem praticamente o mesmo, por ano. A grande diferença reside no facto dos Estados Unidos da América (EUA) serem também um dos maiores produtores ainda que exporte muito pouco, ou nada. Onde quero chegar? Atente neste quadro:Quantos destes países exportadores de petróleo estão sob esfera de influência dos EUA, ou se revelam não-hostis para os seus interesses? E quantos estavam há 20 anos? E há 30? Ou mediante expedições militares de legitimidade (muito) questionável, ou recorrendo à sua organização governamental sombra – a CIA –, os EUA têm levado a água ao seu moinho no tabuleiro geopolítico. Invariavelmente, os poços de petróleo estão sempre metidos ao barulho.
- Desde que me conheço como gente, lembro-me de nos ensinarem na escola, que o petróleo era uma matéria-prima vital para todo o mundo e que se esperava que as suas reservas esgotassem mais ou menos uma geração. Isso foi no final dos anos 80 e, quando se começaram a mostrar filmagens de ataques aéreos no Iraque em 1990, entendi que o acesso ao crude não era para se negligenciar. Mais de 20 anos decorridos, a premonição assustadora mantém-se, ainda que hoje em dia se falem em 50 anos, tendo em conta o ritmo de exploração. Serão dados rigorosos? Farão algum sentido? Quem fez as estimativas? Quem beneficiaria com o esgotamento das reservas de petróleo no resto do mundo, quando está sentada sobre um manancial soberbo, do qual não abre mão? E se de facto “alguém” souber que a escassez de petróleo é um logro? Isso não iria minar toda a estratégia de assegurar fontes de abastecimento seguras por regimes escolhidos a dedo? Isso não faria com que o petróleo deixasse de ser “tããããooo” importante? Às tantas também os EUA perderiam muito do seu aparato de superpotência…
- Antes, referi como o desfecho da reunião da OPEP em 27 de Novembro último fez cair a cotação internacional do crude pela recusa da Arábia Saudita em reduzir a sua quota de produção. As primeiras reacções – vindas do outro lado do oceano – apontaram o dedo aos Sauditas, insinuando que a sua intenção era a de eliminar a concorrência dos projectos norte-americanos (EUA e Canadá), que exploram jazidas de petróleo menos convencionais e recorrendo a tecnologias mais dispendiosas. A acusação referia ainda o baixíssimo custo de extracção de petróleo Saudita (abundância, baixa profundidade, crude de elevada qualidade) lhes permitia aguentar um período mais ou menos longo de menores retornos. E por que haveria o regime mais do que amigável da Arábia Saudita pisar os calos aos aliados norte-americanos? A isso já não conseguiram responder…(5)
- Já foi aventado aqui que, além do preço contratualizado pelos barris de petróleo extraídos (não os dos mercados internacionais), o crude é uma importante fonte de receita de impostos e royalties para os regimes de muitos países, inclusive de países hostis aos interesses americanos (ver imagem). Ora, não fará mais sentido interpretar esta descida mais expressiva da cotação internacional como uma tentativa de fragilizar governos que não morrem de amores pelos EUA e utilizar um aliado para levar a tarefa a cabo? Sublinhe-se que este tipo de “jogada de xadrez” já foi utilizada no passado, mais que uma vez (6)…Pergunto: quem é que sofre mais com a queda do preço do petróleo, não estando debaixo da asa protectora dos EUA? Pergunto novamente: seria sensato desafiar para uma guerra aberta um adversário, cujo poderio possa infligir muitas perdas (materiais e humanas) e cujo vencedor teria mais a lamentar que a festejar? E se se conseguisse enfraquecer o adversário por dentro, evitando assim uma carnificina? Seria de génio, não concordam?
Não é à toa que lhe chamam “ouro negro” , pois não?!
(5) Há uma razão mais cabal para esta decisão: a Arábia Saudita, pura e simplesmente não quis perder quota de mercado. Principalmente, pelo facto de se tratar do maior exportador de petróleo. Como foi argumentado, há muitos incumprimentos nas quotas de produção da OPEP – é muito difícil controlá-las – e ainda para mais há contractos de fornecimento com condições estabelecidas há algum tempo, com preços necessariamente distintos daqueles vigentes nos mercados financeiros internacionais. Se fechasse a porta a um cliente – com base na redução de quotas de produção – ele ia bater a outra.
(6) A Arábia Saudita já recorreu a este tipo de táctica para refrear a animosidade demonstrada no passado – década de 80 – por parte dum vizinho incómodo: o Irão. Ao reduzir os fluxos provenientes do comércio externo e fiscais a crise económica que se instalou no Irão fê-los abandonar os planos de corrida às armas.