O Lado Negro do Petróleo (III/IV)

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Tal como foi defendido antes, para a definição daquilo que é a cotação internacional do petróleo, contribuem variadíssimos factores. Foi também argumentado que os mais preponderantes até podem não ser aqueles que estão à vista de todos e muito menos aqueles de carácter estrutural/fundamental. Referiu-se também que a acção dos especuladores, na maior parte dos casos, invalida qualquer explicação racional a certas flutuações de mercado e nunca são analisadas como determinantes da evolução dos preços.

Para dar alguns exemplos de índole técnica:

  • Quase nunca, os comentadores convidados a opinar sobre a evolução da cotação internacional do petróleo, se detêm no facto deste estar cotado em dólares (USD). Ora, apesar de ser a divisa de referência a nível mundial, não é a que todos utilizam. Por isso, quando em termos nominais, no curto prazo, o USD deprecia face ao Euro (EUR) por exemplo, o detentor da moeda europeia ganha poder de compra, certo? Com os mesmos EUR pode comprar mais barris de petróleo. Durante muito tempo, enquanto a moeda americana foi intencionalmente depreciada – pelas injecções massivas de moeda no sistema financeiro mundial por parte do banco central americano (FED) ao abrigo do plano de monetização de dívida pública (quantative easing) – muitos negociantes da matéria-prima assim como regimes de países como a China (que importa a quase totalidade do petróleo que consome) constituiu reservas importantes. Quem diz de petróleo, diz de outras matérias-primas, principalmente as não-perecíveis, também transaccionadas em USD: metais e outros minérios. Analisem a evolução do USD e da cotação do petróleo, podem encontrar uma correlação interessante, e quase sempre negligenciada pela comunicação social (3);
  • Ainda analisando o efeito cambial: houve muitos aforradores, fundos soberanos de investimento e até especuladores, que com receio que as moedas soberanas pudessem ser substituídas, ou perdessem a sua faculdade de reserva de valor, desataram a comprar activos tangíveis. Foi no meio deste frenesim que até as moedas virtuais – bitcoin é a mais conhecida – ganharam alguns adeptos. Há cerca de 3 anos, no auge da crise de credibilidade do euro – com os naturais efeitos de arrasto sobre as outras divisas, houve muitos aforradores/investidores/especuladores que preferiram “aparcar” as suas poupanças/excedentes de tesouraria em bens tangíveis e facilmente transaccionáveis. O ouro também foi beneficiário desta tendência que, entretanto – pelo afastamento do perigo imediato do colapso das divisas soberanas –, já perdeu “apoiantes”;
  • A queda brusca e aparatosa da cotação internacional do petróleo pode indiciar que a maioria dos participantes do mercado estariam posicionados para a manutenção em alta dos preços do crude. Talvez por isso tivessem as estratégias de cobertura de risco montadas só para acautelar uma eventual subida e nunca a descida. O desmantelar de posições perdedoras poderá ter criado um efeito bola de neve sobre todo o mercado;
  • Não é incomum na indústria da gestão financeira de activos montar estratégias que envolvam vários activos no sentido de tirar partido de correlações estatísticas vigentes, durante determinados períodos. Muitas delas estão assentes em algoritmos de execução automática. Enquanto as regularidades se mantêm, os trades continuam a ser postos em prática. O pior é quando essas correlações perdem significância, ou começam a falhar. A reversão destas operações normalmente leva a movimentos bruscos nos mercados financeiros (4);
  • Quando há muita folga financeira e se consegue obter crédito facilmente, fazem-se muitos disparates e coisas raras. Pois bem, o leitor sabia que depois dos grandes bancos de investimento terem sido resgatados com dinheiros dos contribuintes entre meados de 2008 e 2009, se dedicaram ao negócio do ouro negro em larga escala? E sabe o que fizeram para ganhar “mais uns cobres”? Compraram quantidades enormes de barris de petróleo – fala-se que em determinado momento havia mais de 100 milhões de barris de petróleo nos seus livros – armazenados em petroleiros ancorados em portos marítimos. Para quê? Depois de ter feito um pico em Julho de 2008 a cotação internacional do petróleo caiu abruptamente. Como os preços dos fretes marítimos caíram também aos trambolhões, os espertalhaços na banca de investimento dedicaram-se a fretar petroleiros, pagar as taxas portuárias e a comprar petróleo como se não houvesse dia seguinte. Para quê? Simples: vendê-lo a jusante…Supertanker_001

Hoje em dia, pelos vistos, os grandes bancos de investimento abandonaram o ramo. No entanto, há alguns seguidores. Fala-se em cerca de 12-15 milhões de barris de petróleo flutuante, nos dias que correm.

  • Há mais exemplos mirabolantes mas como não quero esgotar a paciência do leitor fico-me por aqui.

(Continua)

(3) Aproveito para desmontar outra falácia veiculada pelas companhias petrolíferas que refinam e distribuem, como a Galp, (já analisamos as empresas integradas) quando entre 2007 e 2009 culpavam a escalada da cotação internacional do crude para cobrar (bastante) mais nos combustíveis que vendiam. Primeiro, o crude que compram tem preços contratualizados com os fornecedores e não são os cotados internacionalmente. Segundo, mesmo que fossem, no período em questão, o USD depreciou e de que maneira face ao EUR. Com isto se quer dizer que em termos líquidos a subida em EUR no preço do petróleo entre 2007-2009 não foi assim tão expressiva.

(4) Estávamos em 2008 a meio de toda a turbulência nos mercados financeiros. Quando se já se começava a instalar o pânico pela eventual repercussão catastrófica na economia mundial, eis que a cotação internacional do petróleo começa a escalar na vertical” chegando quase aos USD 150 por barril. Fizeram o pino para tentar explicar tal aberração lógica. “Não fazia sentido nenhum!”. Lembro-me que alguns comentadores mais “radicais” avançarem que podia estar a ganhar forma um cenário cataclísmico. Pois bem, se se tivessem dado ao trabalho de fazer o trabalho de casa teriam sabido, um dia ou dois de pois do petróleo ter atingido o seu máximo, que tudo não passou do colapso dum hedge fund que assumira posições vendedoras altamente alavancadas. A verdade é que este fundo teve de liquidar as suas posições. Como? Comprando! Ao fechar posições muito avultadas levou a uma escalada que certamente arrastou muitos traders posicionados da mesma forma. Por que terá sido obrigado a fechar tudo? Uma de duas: ou os bancos que lhe alimentavam as posições alavancadas lhe “tiraram o tapete”, obrigando a repor o crédito concedido; ou, o petróleo não caiu como esperavam. A alavancagem permite retornos ampliados quando se ganha mas pode fazer miséria quando não se acerta. Em mercados financeiros estar certo na hora errada pode levar qualquer trader à ruína!

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