Prisões sobrelotadas

Isto de ler notícias nos jornais faz mal à saúde. Uma pessoa irrita-se e ainda se incomoda. Por isso é que é melhor ver reality showssão de fácil e rápida absorção, expõem de forma gratuita as imperfeições da natureza humana e no final permitem que nos abstraiamos da verdadeira realidade.

Por quê tanta prosápia?

Por isto:  Swapgate. Buraco duplicou desde que foi identificado, em 2011, in Jornal i, 24/04/2013.

O risco potencial dos instrumentos de gestão de risco financeiro (IGRF)contratados pelas empresas públicas cresceu 102% desde que foi identificado [!!!], passando dos 1,48 mil milhões de euros apurados em Julho de 2011, e relativos ao final de 2010, para os 3 mil milhões de euros que o governo anteontem avançou – o último valor concreto é do final de Setembro de 2012, altura em que o risco já ascendia a 2,63 mil milhões de euros.

(…)

“O risco potencial destes instrumentos até ao final de 2011 continuou a crescer, chegando aos 2,4 mil milhões de euros no final desse ano. O tempo que o governo PSD/CDS levou a tomar quaisquer medidas em relação a esta bomba financeira foi anteontem justificado pelo Ministério das Finanças com o facto de primeiro ter optado por pedir ao “IGCP para levar a cabo uma análise aprofundada às características destes instrumentos”, já que o executivo, “apesar” de conhecer “a dimensão potencial do problema”, achou que “as características e riscos associados em concreto a estes instrumentos não eram claros[!!!].

Obtidos os resultados dessa análise, concluiu-se cerca de um ano e meio depois [o que nós temos de sobra: tempo e dinheiro] “que vários destes contratos têm características problemáticas por não se tratar de meros instrumentos de cobertura de risco e incorporarem estruturas altamente especulativas”. Assim, o governo só há dois meses é que avançou com “um processo negocial com os bancos envolvidos dando prioridade absoluta à reparação dos prejuízos financeiros sofridos pelo Estado, da forma mais rápida e certa possível  [rápido sou eu a fazer uma maratona a empurrar um camião, vazio, vá].”

Lamento, não consigo tecer comentários inteligentes acerca disto. Isto porque nesta…borrada não se consegue encontrar o mínimo vestígio de inteligência:

– contratação de instrumentos financeiros cujas características e implicações não são conhecidas por quem as tomou e pelo visto por quem as está a analisar;

– constatação tarde e más horas do rombo que estavam a infligir nas contas públicas;

– falha rotunda na priorização do problema;

– tempo de reacção ao avolumar dos prejuízos nas contas públicas tão lento que “o melhor a fazer é amputar”;

Em face da terrível gestão (aqui e ali criminosa) de casos como o BPN, PPP’s, Banif e agora este eu acho que seria sensato propor a “esta gente” – que está a afundar o país – o exílio. Na verdade até nem temos sítio para eles em Portugal uma vez que as prisões estão sobrelotadas. Por isso, acho que ninguém se importa que recebam €3.000 por mês para o resto das suas vidas – de preferência longe do país* – para evitar que as suas decisões (ou a falta delas) custe muito mais aos Portugueses.

Que vão em paz e que a consciência os acompanhe…

* para o raio que os parta!

A tal pescadinha dissecada…

Voltando ao assunto muito recentemente comentado da pescadinha de rabo na boca  que por estarem sempre a pegar nela já se encontra em deterioração. Pudera, parece o animalzinho de estimação de muitos governos…

Pelo visto, hoje vem na imprensa uma notícia que complementa o artigo anterior da qual destaco 4 passagens relevantes:

Governo, banca e FMI não se entendem sobre crédito à economiain Jornal i, 18/04/2013.

“O garrote ao crédito imposto desde o início do programa de ajustamento levou o sector privado – famílias e empresasa baixar (…) o nível de endividamento [em] 17,3 mil milhões de euros desde o final de 2010 (…) de 486,6 mil milhões para 469,3 mil milhões de euros até Dezembro último (-3,6%).”

(…)

“O executivo acha que pode impor à banca que aumente o nível de financiamento à economia, mas a banca queixa-se que apesar de todo o alarido a procura por crédito tem sido escassa.”

(…)

“Ontem, o FMI veio explicar o porquê desta baixa procura: em Fevereiro, a banca portuguesa praticava uma taxa de juro média real às empresas superior a 3,5% [e isso é elevado?!] , valor bem mais elevado que as taxas praticadas no grupo de 12 economias analisadas – Portugal, Grécia, Espanha, Itália, Irlanda, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, França, Finlândia, Alemanha e Áustria. Depois de Portugal, a taxa mais elevada é a grega, de 1,8%, segundo salientou o “Dinheiro Vivo”.

(…)

“A razão de juros tão altos em Portugal pode encontrar-se num outro indicador que tem marcado o programa de ajustamento: nos últimos dois anos, com o empobrecimento generalizado da população, o crédito malparado das famílias e das empresas explodiu [!!!]. Os últimos dados do Banco de Portugal, de Fevereiro, mostram que as empresas portuguesas contam com mais de 10,8 mil milhões em crédito malparado – valor que representa um crescimento de 105% [!!!] em relação a Janeiro de 2011.”

(…)

Diga o que se disser o nível de taxas praticadas em Portugal é relativamente elevado quando comparado com outros países: nenhuma objecção. Agora, quer em termos absolutos quer numa lógica intertemporal, uma taxa de juro média real de 3,5% não se pode considerar inacessível. Segundo dados da Pordata nos anos que antecederam o deflagrar da crise financeira (2007 e 2008) a taxa de juro média real implícita* para novas operações de empréstimos a empresas era superior: 3,63% e 4,07% respectivamente (5,63% em 2009). Se juntarmos o facto de 2007 e 2008 terem sido o segundo e o terceiro anos em que mais se concedeu crédito às empresas no período compreendido entre 2003 e 2012, €64.265M e €61.796M respectivamente (só superado em 2004 com €65.758M) contra os €45.613M de 2012, a vontade que dá depois de dissecada a pescadinha é atirá-la ao lixo…

Antes de atirar os seus despojos para o balde convém enaltecer que as razões que estão por detrás deste aparente paradoxo tem apenas que ver com as perspectivas de retorno dos empresários. Se em 2007 e 2008, apesar de mais caro, se recorria mais ao crédito**  é porque os empresários esperavam retornos maiores, ou pelo menos que compensassem esse investimento. Nos dias que correm como as taxas de rentabilidade esperada dos investimentos reais foram substancialmente corrigidas em baixa – puxadas pela conjuntura adversa e instável – pode-se inferir que a redução no montante de crédito concedido pela banca às empresas será motivado pela redução na procura e não tanto por restrições impostas ao balcão. E se as empresas não têm fundos próprios para se expandir – e muito menos para operar normalmente – não fica bem apontar o dedo à banca por na circunstância estar a fazer o trabalho de casa na análise de riscos…

Como tal deixem de pegar no bicho – Passos Coelho e companhia – que ele está desfeito e já cheira mal!

 grosso modo calculada pela subtracção da taxa de inflação às taxas de juro nominais.

** inclusive em 2009: €46.296M. Ano em que as taxas de juro reais estavam mais de 2 pontos percentuais acima das actuais.

Pescadinha de rabo na boca que já cheira mal

Que dizer deste ciclo vicioso (viciado se preferirem) tantas vezes repetido que até já cheira mal…

(colecção de notícias dos últimos dias)

Passos [Coelho]: Estado garantirá que bancos injectem crédito na economia“, in Dinheiro Vivo, 14/04/2013.

“O Estado (…) não deixará de activamente, junto dessas instituições, garantir que tudo o que elas podem fazer para reanimar o crédito à economia seja feito” (…) “há hoje uma parte da recessão que está a ser causada de forma desnecessária, pela falta de crédito à economia, não obstante haver bancos capitalizados que possam assegurar esse crédito à economia”…

CGD. Bancos estão prontos a apoiar a economia “se as circunstâncias o permitirem””, in Jornal i, 16 /04/2013.

““Temos um sistema financeiro muito estável para apoiar uma economia em crescimento e vibrante [gargalhada ininterrupta] se as circunstâncias o permitirem”, afirmou hoje José de Matos [presidente executivo da CGD] (…) “Segundo o presidente executivo do banco público, o sector financeiro português atingiu “todas as medidas previstas no programa” de ajustamento negociado com a ‘troika’ (…)  e está agora “muito bem capitalizado e resiliente [não é o que se consta] aos desenvolvimentos do mercado”, pelo que pode apoiar a economia “se as circunstâncias o permitirem”.”

“Fernando Ulrich diz-se “perplexo” com declarações de Passos Coelho”in Jornal i, 16/04/2013.

“Fiquei perplexo porque se o tema é tão importante para o primeiro-ministro dizer isso, é estranho que não tenha conversado connosco” disse Fernando Ulrich [presidente executivo do BPI]”…

“Moody’s: “Bancos precisam de capital para absorver perdas”“, in Dinheiro Vivo, 13/04/2013.

“Quatro meses depois, a Moody’s volta a deixar o alerta: os bancos portugueses precisam de mais 8 mil milhões de euros para colmatar novas necessidades de capital” (…) “Pensamos que alguns bancos estão em risco de pedir mais capital se as perdas se materializarem”, afirmou Pepa Mori [analista da Moody’s] (…) “e isto [a cifra de 8 mil milhões de euros] num cenário mais conservador“…

“FMI: Bancos travam crédito mais favorável nos países periféricos”, in Dinheiro Vivo, 16/04/2013.

“Na área do euro, as melhores condições para os soberanos periféricos ainda não estão a passar para as empresas e as famílias porque os bancos continuam a coxear com pobres rendibilidades e capitais reduzidos, o que é um constrangimento à oferta de crédito”(…) “”Para além disso”, reconhece o FMI ao mais alto nível,em muitas economias a actividade será travada pela continuação do ajustamento orçamental, problemas de competitividade e balanços fracos“.”

Que dizer de tudo isto?!

Num contexto recessivo à escala europeia – correndo o risco de parecer optimista – , de grande instabilidade nas mais diversas dimensões – legal, fiscal, regulamentar, institucional, política até – , de graves constrangimentos financeiros soberanos, quem é que se arrisca a investir em Portugal?! Fora os grandes grupos económicos (e se calhar nem esses) só um intrépido empreendedor…

Se as necessidades de crédito são evidentemente modestas nesta conjuntura pouco (ou nada) favorável porquê insistir nessa demagogia de querer fazer chegar crédito à economia para a fazer crescer?!

Mais, se a banca – embora em auto-negação – se encontra assente em gelo muito fino – como alerta a Moody’s –  para quê acossá-la para conceder crédito se esta ainda vai ter muito com que se entreter com imparidades nos próximos tempos. Das duas uma: ou a pressionam para arrumar a casa ou para incorrer em mais riscos!

Foi o recurso ao crédito barato e irresponsavelmente facilitado que catalisou a grave crise que nos aflige. Repetir a dose seria pouco racional. Encaremos a realidade como ela é: sombria e nada acolhedora. Não há ajustamentos instantâneos nem indolores. O governo terá de ser muito mais engenhoso para colocar o país no trilho do crescimento sustentado e melhorar as condições de acesso ao crédito não pode ser, para nosso bem, o seu principal trunfo.

Além do mais, a história recente já demonstrou como se desmoronou o crescimento assente nesse tipo de cartas…