O Lado Negro do Petróleo (II/IV)

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Antes foi feita referência aos fundamentos do petróleo. Que fundamentos são esses?

Resumidamente, o petróleo é uma matéria-prima que :

  • se encontra no subsolo: em terra firme, ou no oceano;
  • mais próximo da superfície e em zonas em que “basta perfurar o solo que ele brota,” ou em zonas remotas e de difícil acesso, cujo processo de extracção tem necessariamente de ser mais sofisticado logo, mais dispendioso;
  • cuja quantidade disponível se desconhece (ainda que se admita que seja escassa);
  • geograficamente, não se encontra igualmente distribuído: ao que se sabe, nos dias de hoje, está mais concentrada em algumas zonas do globo;
  • não é homogénea: há crude mais leve, mais puro e, por isso, mais facilmente refinável, e outro mais “pesado,” cuja refinação se revela mais difícil.

Relativamente ao mercado da matéria-prima, propriamente dito.

Do lado da oferta:

  • o ritmo de extracção (produção) é mais ou menos estável – embora com tendência ascendente – nos países desenvolvidos;
  • a capacidade marginal de produção – a que pode flutuar no curto prazo – está concentrada na Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP): países cuja única (ou principal) fonte de riqueza é a exploração e exportação do ouro negro e cujos “estados” só sobrevivem com as receitas fiscais desta indústria;
  • embora entre os países emergentes, sejam os respectivos estados os proprietários do crude, são na maioria dos casos, as multinacionais do petróleo que recolhem os benefícios económicos de explorá-lo;
  • ainda que se admita que as jazidas de petróleo sejam escassas, a verdade é que os progressos técnicos nas áreas das engenharias, geologia, etc., têm levado ao descobrimento e subsequente exploração económica de novas e generosas jazidas de crude.

Do lado da procura:

  • a tendência dos últimos 20-30 anos é claramente altista, com o crescimento fulgurante registado, sobretudo, nos países Asiáticos, com destaque para a China: crescimento económico, crescimento industrial, maior poder de compra, crescimento do parque automóvel, mais tráfego aéreo, tudo contribuiu para a explosão da procura de produtos derivados do petróleo;
  • embora nos países em vias de desenvolvimento o consumo seja mais desenfreado, nos países ocidentais a intensidade do seu uso tem-se reduzido bastante, principalmente desde o choque na oferta do final dos anos 70. Isto é, ao longo das últimas décadas, as economias desenvolvidas têm procurado diminuir a sua dependência do petróleo forjando tecnologia cada vez mais eficiente e/ou com fontes de energia diversas.

Quanto ao “mercado” propriamente dito:

  • ao contrário daquilo que é dado a entender não há uma cotação “internacional” do crude, propriamente dita: há gigantes multinacionais que sob concessão dos estados de determinados países, extraem e comercializam o petróleo que, como foi esclarecido acima, é uma matéria-prima heterogénea;
  • aquilo que é cotado nos mercados financeiros é um índice que serve de referência aos especuladores, aos indivíduos/empresas que, por qualquer razão, lhes convém cobrir o risco operacional de lidar com produtos derivados do petróleo (empresas de transporte de passageiros e/ou mercadorias, empresas químicas, refinarias, etc.) e no cálculo dos royalties e/ou impostos a cobrar às empresas petrolíferas por parte dos governos dos países que dependam fortemente do crude para financiar os orçamentos de estado (independentemente se servem para financiar a compra de armamento, ou artigos de luxo);
  • como não há propriamente correspondência entre o volume de barris de petróleo colocados no mercado real e aqueles que são transaccionados nos mercados financeiros não se pode dizer que haja muito rigor na quantidade de barris de petróleo produzida a nível mundial por unidade de tempo (mês, ano, etc.). Por outro lado, mesmo no seio da OPEP, há variadíssimos precedentes de ruptura das quotas de produção acordadas.

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Depois de se relativizar a importância da “cotação internacional do outro negro” e de se aprofundar um pouco as idiossincrasias da matéria-prima, devemos abordar as principais razões económicas invocadas para explicar a queda do preço do crude de 115 dólares (USD) para cerca de 50 em menos de 6 meses:

  • Retracção da actividade económica mundial, nomeadamente na zona Euro:Este prospecto de crescimento económico anémico não é recente nem tão pouco se pode dizer que houvesse perspectivas de uma retoma fulgurante a breve trecho. Para aqueles que teimem em forçar este argumento com o arrefecimento do crescimento a todo vapor da China, a verdade é que a este país não vai deixar de consumir petróleo de um momento para o outro. É também do conhecimento dos que estejam minimamente atentos à evolução do Dragão Asiático que continuar a gerar riqueza a um ritmo de 10% ao ano – média das últimas 2 décadas – não seria não só sustentável como não seria desejável. Uma queda desta magnitude, e com esta violência, no preço do petróleo seria coerente com uma hecatombe económica – não é o caso (pelo menos face ao que já era expectável num passado recente). Se efectivamente fosse (for) esse o cenário que se avizinha pergunto-me: até Junho andava toda a gente a dormir? Especuladores, hedgers, bancos de investimento, fundos de investimento, negociantes de petróleo, descobriram todos ao mesmo tempo que estavam a pagar demasiado pelo petróleo? Coloco esta interrogação, porque se houvesse correspondência entre os mercados financeiros e a economia real, não seria complicado explicar por que razão é que o preço da matéria-prima não caiu mais cedo? Para não baralhar muito a coisa, vamos esquecer o facto de que, ao que parece, os EUA estarem a retomar um ritmo de crescimento económico mais robusto.
  • Relação entre jazidas de petróleo exploradas economicamente e consumo actual ter-se-á expandido, por outras palavras, o ritmo a que se têm descoberto novos poços economicamente viáveis está a mais que compensar a cadência do consumo. O argumento de que a pressão altista sobre o preço internacional do petróleo deu ensejo à exploração de poços de custo marginal relativamente elevado (com destaque para a perfuração horizontal de formações de xisto – fracking – nos estados do Dakota do Norte e do Texas, nos EUA, ou, então, no aquecimento das areias betuminosas em Alberta, Canadá), culminando num reforço considerável da oferta e consequente queda do preço, faz algum sentido. O que não encaixa muito bem é utilizar este argumento para explicar uma queda abrupta e repentina na “cotação internacional do crude”, quando estes projectos já estão em marcha há anos.
  • A “tal” reunião da OPEP de 27 de Novembro, na qual o principal exportador – a Arábia Saudita – ante a pressão de países como a Rússia, Irão (cujos regimes não são propriamente convidados de honra para tomar chá) e Venezuela, se recusou a reduzir a sua quota de produção, acentuando a queda da cotação internacional do petróleo, que por essa altura já andava a rondar os 75 dólares por barril. Ainda que tenha ajudado a reforçar a pressão vendedora sobre o crude nos mercados internacionais, não explica como é que a cotação já havia recuado cerca de 35% desde Junho de 2014.

Dirijamos as atenções agora para razões subliminares e que nunca são analisadas (por falta de conhecimento e alguma ignorância atrevida): técnicas e geopolíticas.

(Continua)

Orgulho degenerado…

Este vídeo que serve para promover o turismo em Portugal não caiu bem nas hostes. Para Pedro Bidarra, reputado publicitário, não só lhe assentou mal como crê que nos retrata como “subservientes”ou “criados” não se coibindo de fazer uso de linguagem explícita para insinuar comportamentos “menos dignos.” Bruno Nogueira, ainda que numa toada mais humorística, fez eco destas insinuações.

Como publicitário tem toda a legitimidade de criticar ,do ponto de vista profissional,  o formato do anúncio: como foi filmado, como se encadearam as ideias, a mensagem, se há nexo entre as diferentes dimensões, etc.. Como espectador goza de legitimidade acrescida para apreciar como bem entender o formato, a mensagem ou os valores implícitos: “cada cabeça sua sentença”. Como tal pode expressar-se “como lhe der na real gana” e inclusive manifestar-se “envergonhado”.

Eu vi o anúncio e apesar de não ter o background profissional nem a experiência de Pedro Bidarra para avaliá-lo do ponto de vista técnico tenho uma opinião completamente distinta. Aliás, não perdendo de vista que em termos estratégicos o turismo é uma das apostas mais viáveis e onde temos inegáveis atributos espanta-me a intensidade das reacções negativas.

Será pacífico afirmar que Portugal é um país muito aprazível e com muitas coisas fantásticas para explorar e experimentar. Além de maravilhosas paisagens de norte a sul do país, conta com uma gastronomia riquíssima capaz de se adaptar a todos os gostos e a variados tipos de dietas, tem na maior parte do ano temperaturas bastante acolhedoras, tem muitas horas de sol todo o ano além de muita animação.

Conclusão: tem muitos encantos que muitos milhões de pessoas procuram ou para passar férias ou um bom bocado ou mesmo para viver. Se adicionarmos o facto de ser pacífico e relativamente barato é pedir demasiado que para tornar a nossa vida mais desafogada – com o incremento na actividade económica que acarretaria o aumento significativo dos números do turismo – sejamos bons anfitriões, simpáticos, sorridentes e atenciosos para com quem escolhe visitar-nos e conhecer o nosso país?!?! Não é isso que esperamos quando saímos de Portugal?! Talvez o senhor Bidarra prefira o desdém, o mau-humor, a sisudez, a trapaça ou a indiferença mas isso são gostos muito particulares…

Quanto a mim e tendo em conta que Portugal não consegue ombrear com outros países no mercado externo de produtos transaccionáveis – ou porque não tem capacidade organizativa e/ou tecnológica, ou não tem curva de aprendizagem e por isso reputação,  e não há-de ser da noite para o dia que as conquistará – parece-me muito sensato perseguir uma via “industrializante” no turismo onde apresentamos indubitáveis “vantagens competitivas”! Querem exportar mais?! Exportemos a “experiência Portugal”! E se alguns desses cidadãos estrangeiros quiserem fixar residência e investir em Portugal?! Melhor ainda…

É verdade que nos últimos 30-40 anos se tomaram muitas decisões “questionáveis” que se traduziram em investimentos improdutivos*. É verdade também que se montou todo um Estado Social com fundações muito frágeis. É mais verdade ainda que nos custa a todos sofrer na pele os sacrifícios de um plano de reestruturação, refundação, saneamento, resgate – que tem mais nomes que apoiantes – cuja execução deixa muito a desejar. Agora, que não se critique por criticar e não se deite abaixo o pouco de bom que se tenta fazer para alavancar o crescimento económico do país quando do ponto de vista competitivo faz todo o sentido.

Em nota final, se este vídeo lhe causa tanta espécie** e lhe custa ser hospitaleiro para os que vêm de fora quem sabe o senhor Bidarra, na qualidade de criativo, engendra um caminho menos tortuoso e de potencial equiparável para nos tirar do lodaçal.

*Chamemos-lhe assim.

** Espécie causara-me os vídeos medíocres e sem nexo nenhum que se fizeram para mandar recados à Alemanha ou à Finlândia. Esses sim, pintaram-nos como uns tristes ingovernáveis armados em pavões.

Quem desdenha…nem sempre quer comprar!

Recuperando o desdém pela euforia manifestada pelo governo quando Portugal começou a evidenciar sinais de correcção do défice “enoooorme” da balança comercial e respectivas implicações

A meio do ano embandeiravam em arco resultados agregados previsionais que escondiam muitas verdades.*

Agora, e com os dados finais pode constatar-se que o desdém fazia todo o sentido

* Entre os maiores e mais resplandecentes foguetes estava o facto do ouro de que os Portugueses se desfizeram estarem entre as maiores exportações

Na sombra a oferecer lugares ao sol

Exemplos de inércia e falta de proactividade dos “nossos” representantes não faltam. Ainda há pouco me referi à escassez de resultados que as missões diplomáticas aportavam para a nossa balança de transacções correntes. Provavelmente estavam mais interessados em levar os “camaradas” a dar uma volta do que convidar a verdadeiros empresários para os acompanhar em visitas oficiais com verdadeiras agendas. Aquelas em que o objectivo é vender efectivamente algo feito ou disponível em Portugal.

No início da semana arrancou, com a benção do ministro da Economia (e muito bem!), uma campanha organizada pela Turismo de Portugal e pela Associação Portuguesa de Resorts para promover o turismo residencial no exterior. Os destinatários são os países do norte da Europa – Alemanha, França, Holanda, Reino Unido, Rússia, Suécia – historicamente mais interessados na procura do nosso país, para este segmento, estando previsto para uma outra fase, Brasil, China e Médio Oriente.

Neste capítulo, apesar do potencial enorme que possui, Portugal encontra-se claramente na sombra num mercado em que apenas detém 4% das vendas efectuadas no sul da Europa. A Espanha lidera com 40%, a França tem 25% e Itália 15%.

Bom, já se sabe que o turismo é claramente das apostas mais rentáveis que o nosso país pode fazer e na verdade até exige pouco dos “nossos” representantes. Só exige verdadeiro marketing e apoio a quem queira fazer negócio (não só aos “camaradas)*. O resto, Portugal com os seus encantos, a sua gastronomia, sem esquecer a presença frequente do sol o ano inteiro vende-se por si!

Esqueçam essas ideias peregrinas de processos de reindustrialização porque isso demora (muito) tempo e com as aptidões que os “nossos” representantes denotam só vai dar asneira e da grossa. Pode-se nalguns sectores que foram desbaratados – agricultura e pescas – trabalhar nesse sentido mas de forma lateral.

Por isso, apoie-se a promoção do turismo residencial cujas perspectivas são animadoras. Com efeito, assim se conseguem fluxos duradouros que reforçam a nossa balança de capitais e de bónus, com a fixação de estrangeiros no nosso país (reformados principalmente) ingressos que ajudam a equilibrar a balança de transacções correntes reduzindo a nossa dependência de financiamento externo.

Já agora se não for pedir muito algum enquadramento legislativo favorável a quem queira fixar residência e essas coisas todas. Sei que está a ser tratado mas, por favor, sem trapalhadas!

Foi na réstia…

Há um livro que retrata bem a necessidade de adaptabilidade à mudança (de circunstâncias, pressupostos, contexto, etc.): “Quem mexeu no meu queijo“. Esta obra – de leitura obrigatória – apela à proactividade para evitar ficar à mercê das correntes e/ou marés e assim contribuir decisivamente para o seu destino.

Pois bem, no passado fim de semana o actual primeiro-ministro (PM) deslocou-se a Santiago do Chile para participar na IV Cimeira de chefes de Estado e de Governo da União Europeia/Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (UE/CELAC). E foi aí que sacou da cartola…(seria um trocadilho muito básico jogar com o nome do senhor) uma ideia peregrina: “Portugal representa uma mar de oportunidades para a América Latina [e Caraíbas]“! E porquê?! “Porque “Portugal é um dos poucos países que mantêm simultaneamente ligações políticas, comerciais, económicas, culturais e linguísticas com todas as regiões e economias emergentes do globo”. Mais, está “integrado em diversas redes institucionais” que o tornam “numa ponte de ligação entre a Europa e a América Latina e Caraíbas, por um lado, e, simultaneamente, entre essas duas regiões e os continentes africano e asiático“, tendo destacado a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Hmmmm…Pois! Mas ao que parece os destinatários de tão rico discurso já poderiam ter beneficiado das benesses que Passos Coelho enunciou há muito tempo! Que se saiba não houve nenhuma revisão na cartografia geográfica nem os movimentos tectónicos da crosta terrestre alteraram as coordenadas de Portugal, a partilha de laços linguísticos e culturais – com alguns desses países – já tem séculos, a inserção em organizações internacionais sejam elas de integração/cooperação económica e/ou política já tens algumas dezenas de anos, por isso…não se vislumbra nada de novo que tenha levado o PM Português a apelar para as oportunidades que tanto propalou! E se houvesse uma conjuntura favorável para desenvolver negócios com Portugal ou a partir daí esta não seria a melhor. Estarei eu a ver a coisa pelo prisma errado?!

Não creio, só me interrogo para que serviam as sumptuosas missões diplomáticas em países estrangeiros a acompanhar presidentes da república, primeiros-ministros ou ministros dos negócios estrangeiros, noutros tempos. Sim, para quê? Recordo-me de os ver documentados por reportagens televisivas com muitos sorrisos, boa disposição, comitivas bem extensas, discursos muito cerimoniosos… E resultados?! Negócios que se notassem na balança comercial sem ser do lado das importações?! Se calhar levaram de “férias” os empresários errados…

Não muito depois do PM ter regressado da viagem ao Chile um estudo revelado pela consultora Ernst&Young veio confirmar a atractividade de Portugal como plataforma para encetar e desenvolver relações comerciais ou de investimento em países como Angola e/ou Brasil. Cortando nos floreados a razão é muito simples: a língua em comum. Note-se: o objectivo não é investir em Portugal é aceder e investir nesses mercados via Portugal. Lamentavelmente (ou não!), esse fim pode ser atingido recrutando a nossa mão-de-obra qualificada – quiçá a nossa maior e mais barata exportação – para os quadros das empresas que tenham interesses ou agenda quer no Brasil ou em Angola.

É triste constatar-se que em países como o Brasil a nossa vizinha Espanha tenha um envolvimento muito maior e mais profundo – logo mais proveitoso – que Portugal. Veja-se a presença em sectores como a banca (Santander, BBVA), telecomunicações (Telefónica), energia (Repsol), serviços públicos de fornecimento de energia (Iberdrola, Endesa) e engenharia e construção (Abengoa). E nem vamos pela presença das empresas Espanholas no resto da América Latina para não piorar os termos de comparação.

Para atalhar a minha perspectiva sobre este assunto regresso ao livro que recomendei acima para explicar o comportamento frenético dos “nossos” representantes: foi preciso ter-se mudado a maré e o mar ficar picado, não ter mais onde se agarrar e ser acossado por terceiros como contrapartida da tábua de salvação que nos “emprestaram” para se “esforçarem” para trazer mais queijo (leia-se negócios) para Portugal. Até aqui viveram do status de pertencer ao “clube dos ricos”, do crédito barato para financiar o desperdício e a ineficiência (eu acrescentaria os crimes económicos perpetrados pelos “amigos”) do estado e o buraco imenso da balança de transacções correntes, entre outros desmandos.

Foi só na réstia…que se dignaram a fazer alguma coisa! E ainda há tanto por fazer!!!