Antes foi feita referência aos fundamentos do petróleo. Que fundamentos são esses?
Resumidamente, o petróleo é uma matéria-prima que :
- se encontra no subsolo: em terra firme, ou no oceano;
- mais próximo da superfície e em zonas em que “basta perfurar o solo que ele brota,” ou em zonas remotas e de difícil acesso, cujo processo de extracção tem necessariamente de ser mais sofisticado logo, mais dispendioso;
- cuja quantidade disponível se desconhece (ainda que se admita que seja escassa);
- geograficamente, não se encontra igualmente distribuído: ao que se sabe, nos dias de hoje, está mais concentrada em algumas zonas do globo;
- não é homogénea: há crude mais leve, mais puro e, por isso, mais facilmente refinável, e outro mais “pesado,” cuja refinação se revela mais difícil.
Relativamente ao mercado da matéria-prima, propriamente dito.
Do lado da oferta:
- o ritmo de extracção (produção) é mais ou menos estável – embora com tendência ascendente – nos países desenvolvidos;
- a capacidade marginal de produção – a que pode flutuar no curto prazo – está concentrada na Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP): países cuja única (ou principal) fonte de riqueza é a exploração e exportação do ouro negro e cujos “estados” só sobrevivem com as receitas fiscais desta indústria;
- embora entre os países emergentes, sejam os respectivos estados os proprietários do crude, são na maioria dos casos, as multinacionais do petróleo que recolhem os benefícios económicos de explorá-lo;
- ainda que se admita que as jazidas de petróleo sejam escassas, a verdade é que os progressos técnicos nas áreas das engenharias, geologia, etc., têm levado ao descobrimento e subsequente exploração económica de novas e generosas jazidas de crude.
Do lado da procura:
- a tendência dos últimos 20-30 anos é claramente altista, com o crescimento fulgurante registado, sobretudo, nos países Asiáticos, com destaque para a China: crescimento económico, crescimento industrial, maior poder de compra, crescimento do parque automóvel, mais tráfego aéreo, tudo contribuiu para a explosão da procura de produtos derivados do petróleo;
- embora nos países em vias de desenvolvimento o consumo seja mais desenfreado, nos países ocidentais a intensidade do seu uso tem-se reduzido bastante, principalmente desde o choque na oferta do final dos anos 70. Isto é, ao longo das últimas décadas, as economias desenvolvidas têm procurado diminuir a sua dependência do petróleo forjando tecnologia cada vez mais eficiente e/ou com fontes de energia diversas.
Quanto ao “mercado” propriamente dito:
- ao contrário daquilo que é dado a entender não há uma cotação “internacional” do crude, propriamente dita: há gigantes multinacionais que sob concessão dos estados de determinados países, extraem e comercializam o petróleo que, como foi esclarecido acima, é uma matéria-prima heterogénea;
- aquilo que é cotado nos mercados financeiros é um índice que serve de referência aos especuladores, aos indivíduos/empresas que, por qualquer razão, lhes convém cobrir o risco operacional de lidar com produtos derivados do petróleo (empresas de transporte de passageiros e/ou mercadorias, empresas químicas, refinarias, etc.) e no cálculo dos royalties e/ou impostos a cobrar às empresas petrolíferas por parte dos governos dos países que dependam fortemente do crude para financiar os orçamentos de estado (independentemente se servem para financiar a compra de armamento, ou artigos de luxo);
- como não há propriamente correspondência entre o volume de barris de petróleo colocados no mercado real e aqueles que são transaccionados nos mercados financeiros não se pode dizer que haja muito rigor na quantidade de barris de petróleo produzida a nível mundial por unidade de tempo (mês, ano, etc.). Por outro lado, mesmo no seio da OPEP, há variadíssimos precedentes de ruptura das quotas de produção acordadas.
Depois de se relativizar a importância da “cotação internacional do outro negro” e de se aprofundar um pouco as idiossincrasias da matéria-prima, devemos abordar as principais razões económicas invocadas para explicar a queda do preço do crude de 115 dólares (USD) para cerca de 50 em menos de 6 meses:
- Retracção da actividade económica mundial, nomeadamente na zona Euro:Este prospecto de crescimento económico anémico não é recente nem tão pouco se pode dizer que houvesse perspectivas de uma retoma fulgurante a breve trecho. Para aqueles que teimem em forçar este argumento com o arrefecimento do crescimento a todo vapor da China, a verdade é que a este país não vai deixar de consumir petróleo de um momento para o outro. É também do conhecimento dos que estejam minimamente atentos à evolução do Dragão Asiático que continuar a gerar riqueza a um ritmo de 10% ao ano – média das últimas 2 décadas – não seria não só sustentável como não seria desejável. Uma queda desta magnitude, e com esta violência, no preço do petróleo seria coerente com uma hecatombe económica – não é o caso (pelo menos face ao que já era expectável num passado recente). Se efectivamente fosse (for) esse o cenário que se avizinha pergunto-me: até Junho andava toda a gente a dormir? Especuladores, hedgers, bancos de investimento, fundos de investimento, negociantes de petróleo, descobriram todos ao mesmo tempo que estavam a pagar demasiado pelo petróleo? Coloco esta interrogação, porque se houvesse correspondência entre os mercados financeiros e a economia real, não seria complicado explicar por que razão é que o preço da matéria-prima não caiu mais cedo? Para não baralhar muito a coisa, vamos esquecer o facto de que, ao que parece, os EUA estarem a retomar um ritmo de crescimento económico mais robusto.
- Relação entre jazidas de petróleo exploradas economicamente e consumo actual ter-se-á expandido, por outras palavras, o ritmo a que se têm descoberto novos poços economicamente viáveis está a mais que compensar a cadência do consumo. O argumento de que a pressão altista sobre o preço internacional do petróleo deu ensejo à exploração de poços de custo marginal relativamente elevado (com destaque para a perfuração horizontal de formações de xisto – fracking – nos estados do Dakota do Norte e do Texas, nos EUA, ou, então, no aquecimento das areias betuminosas em Alberta, Canadá), culminando num reforço considerável da oferta e consequente queda do preço, faz algum sentido. O que não encaixa muito bem é utilizar este argumento para explicar uma queda abrupta e repentina na “cotação internacional do crude”, quando estes projectos já estão em marcha há anos.
- A “tal” reunião da OPEP de 27 de Novembro, na qual o principal exportador – a Arábia Saudita – ante a pressão de países como a Rússia, Irão (cujos regimes não são propriamente convidados de honra para tomar chá) e Venezuela, se recusou a reduzir a sua quota de produção, acentuando a queda da cotação internacional do petróleo, que por essa altura já andava a rondar os 75 dólares por barril. Ainda que tenha ajudado a reforçar a pressão vendedora sobre o crude nos mercados internacionais, não explica como é que a cotação já havia recuado cerca de 35% desde Junho de 2014.
Dirijamos as atenções agora para razões subliminares e que nunca são analisadas (por falta de conhecimento e alguma ignorância atrevida): técnicas e geopolíticas.
(Continua)