O (não muito) Admirável Mundo Novo

Se nós quisermos regressar a um país de mão-de-obra barata e de pessoas pobres, com mais emprego certamente, porque com salários mais baixos há sempre mais emprego, sair do euro é uma solução”,  alertou Daniel Bessa, ex-ministro da Economia e actual director da COTEC Portugal, durante um debate sobre “Funções do Estado” que decorreu ontem, dia 21-05-2013, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Ora nem mais! Para os que insistem em manter a cabeça mergulhada na areia recomendaria que vissem “o filme todo até ao fim”  para quando quiserem formar uma opinião sobre o mundo real o façam… ajuizadamente, vá. Demagogos inveterados, membros de falanges partidárias profissionais e respectivos militantes fervorosos: coloquem a cabeça no sítio, afastem-se do ruído circundante e reflictam – autonomamente – considerando todos os cenários.

Para os que apenas estão desinformados e para os quais relacionar todas estas variáveis – moeda, política monetária, dívida pública, emprego, crise, crescimento económico, etc. –  parece algo abstracto convém ilustrar o que nos espera recorrendo a exemplos concretos. Centremo-nos no estilo de vida recente mais ou menos burguês* que a efectivar-se a saída do euro passará a alinhar junto das boas memórias de outros tempos.

Ora bem sair do euro implica regressar a uma moeda “local” substancialmente desvalorizada face às demais – e particularmente face ao euro –  com circulação só em Portugal e com nenhuma (atrevo-me a vaticinaraceitabilidade externa. Se hoje Portugal pode dar-se ao luxo de pagar o que compra ao exterior com uma moeda de aceitabilidade universal nessa nova realidade ver-se-ia obrigado a comprar divisas como o euro e o dólar americano. Utilizar o ouro para o efeito – consta-se que Portugal ainda está no top 10 em termos de reservas – estaria posto de parte pois está impedido pela ratificação de acordos internacionais.**

Assim sendo passemos às conjecturas:

 – uma vez que que tudo o que vem de fora passaria a ser muito mais caro, para evitar um impacto inflacionário maior, visto que nem em termos alimentares somos auto-suficientes, teríamos de restringir as importações ao essencial;

– com a escassez de bens transaccionáveis produzidos em Portugal por marcas nacionais todas as importações – de produtos electrónicos (a perdição dos telemóveis e de gadgets diversos, softwares, televisões, computadores, etc.), automóveis, roupas e calçado de marca estrangeira, entre outros – cuja “companhia” encaramos como normal, se tornariam proibitivas;

– a redenominação dos depósitos bancários, investimentos financeiros, etc. gerará o caos e certamente serão congelados os depósitos e impostos controlos de capital (como no Chipre);

– viagens ao estrangeiro (mesmo com as companhias low-cost) só estariam ao alcance dos mais desafogados pois passariam à categoria de luxo;

 – com uma moeda desprezada internacionalmente seríamos forçados a viver com os nossos próprios meios, uma vez que o crédito seria bastante oneroso;

– regressávamos aos pagamentos a pronto (cartões de crédito só para coleccionadores de relíquias) e a consumir forçosamente o rendimento que gerássemos; para alguém se permitir um devaneio teria de ir às poupanças (se as tivesse).

AH! Já me esquecia! Depois há aquele problemazito da dívida soberana que não só não iria desaparecer como se ia agravar pela desvalorização cambial. Certamente iríamos entrar em incumprimento, antes ou depois de reestruturamos as nossas obrigações para com o exterior, como “(parece que)” têm vindo a pedir alguns especialistas em finanças que aparecem na televisão a comentar ou a emitir os seus pareceres técnicos abalizados. Aí é que ninguém nos punha dinheiro na mão durante muito tempo. E se os estrangeiros não o sacassem todo aos repelões incluindo investimentos, íamos com muita sorte…

(Ficou claro que esse passo só iria agravar todas as implicações acima referidas?! Óptimo! Prossigamos então…)

Claro que nesta realidade as coisas ficariam muito mais fáceis para se reerguer a pujante indústria nacional que, a correr bem, em coisa de algumas dezenas de anoscom gerações de líderes que não conhecemos há alguns séculos – colocariam Portugal na vanguarda. Sim, leu bem! Ao contrário do que alguns românticos delirantes dizem a indústria nacional não é competitiva internacionalmente porque não tem escala, carece de articulação intersectorial e de um modo geral são poucas as vezes que defronta a concorrência externa. Em suma estamos a falar de empresas pequenas, que exportam pouco e que vendem na maior parte dos casos para nichos. Ainda assim, fora do euro e com as importações de bens de capital fora do alcance lá íamos ter que recorrer ao factor de produção mais abundante e acessível: o trabalho! Isso fazer-nos-ia regressar a meados do século passado a nível interno mas a enfrentar a concorrência dos países emergentes no século XXI.

No fundo seria um regresso ao passado a vários níveis mas com algumas nuances:

– os fluxos de emigração a que assistimos intensificar-se-iam mas as remessas talvez não tanto como outrora;

o turismo e as divisas que amealhássemos iriam revestir-se de vital importância*** para regularizar as contas externas com encaixes bastante superiores à de outros tempos de moeda local;

– iríamos assistir ao regresso das casas de câmbio com os seus placards coloridos por uma série de bandeirinhas e números compridos (que me fascinavam enquanto miúdo);

a ocupação de guia turístico seria o biscate mais popular (quiçá entre os jovens licenciados desempregados) embora num contexto muito mais concorrencial que no passado dado que os Portugueses se tornaram bastante competentes nos idiomas;

– o estado rapidamente conseguiria reconverter os seus excedentários em fiscais das finanças que exerceriam funções muito semelhantes aos de “bufo” ou inspector da PIDE no outrora mas desta feita a acossar os turistas.

 No final das contas a transição para a realidade pós-euro até pode nem ser feita nestes moldes:

 – pode ser mais ou menos ordeira (pode ser acompanhada de agitação social, tumultos, violência ou até se pode processar de forma mais ou menos pacífica);

– a nova divisa Portuguesa até pode cotar num nível não tão baixo face ao euro (mais importante porque estaremos inseridos na UE) minimizando as adversidades ou até pode nem haver lugar para ela agravando o estado de sítio;

a transição até pode ser bem mediada e suportada pelas instituições supra-nacionais e daí talvez não, tendo em conta a condução errática nos processos de resgate a outros países (atente-se no exemplo do Chipre) pode sair fora de controlo e ser um autêntico desastre, bem pior do que cenarização aqui aventada;

– a situação pode ser mais ou menos caótica tratando-se duma saída em bloco ou isolada;

– a estabilidade da região e de Portugal dependerá da manutenção da União Europeia como processo de integração económica;

– etc.

Tal como se tornou “mais fácil” imaginar a actual situação é má e difícil de gerir mas o que se pretende é elucidar as pessoas que pode ficar bastante pior! A verdade é que não soubemos ser “ricos” mas o empobrecimento para o qual estamos a ser empurrados no seio da zona euro pode muito bem ser preferível ao regresso a um passado, não muito distante, em que se vivia no limiar da sobrevivência.

Fazendo um balanço o melhor mesmo é não deixar estas conjecturas sair do mundo virtual…

(Digo eu…)

*  o actual já não será tanto assim.

** a quantidade que num determinado espaço de tempo o banco central dum país pode colocar no mercado internacional está delimitada.

*** e talvez o cronista que arrasou uma campanha publiciária do Turismo de Portugal se retractasse.

Pescadinha de rabo na boca que já cheira mal

Que dizer deste ciclo vicioso (viciado se preferirem) tantas vezes repetido que até já cheira mal…

(colecção de notícias dos últimos dias)

Passos [Coelho]: Estado garantirá que bancos injectem crédito na economia“, in Dinheiro Vivo, 14/04/2013.

“O Estado (…) não deixará de activamente, junto dessas instituições, garantir que tudo o que elas podem fazer para reanimar o crédito à economia seja feito” (…) “há hoje uma parte da recessão que está a ser causada de forma desnecessária, pela falta de crédito à economia, não obstante haver bancos capitalizados que possam assegurar esse crédito à economia”…

CGD. Bancos estão prontos a apoiar a economia “se as circunstâncias o permitirem””, in Jornal i, 16 /04/2013.

““Temos um sistema financeiro muito estável para apoiar uma economia em crescimento e vibrante [gargalhada ininterrupta] se as circunstâncias o permitirem”, afirmou hoje José de Matos [presidente executivo da CGD] (…) “Segundo o presidente executivo do banco público, o sector financeiro português atingiu “todas as medidas previstas no programa” de ajustamento negociado com a ‘troika’ (…)  e está agora “muito bem capitalizado e resiliente [não é o que se consta] aos desenvolvimentos do mercado”, pelo que pode apoiar a economia “se as circunstâncias o permitirem”.”

“Fernando Ulrich diz-se “perplexo” com declarações de Passos Coelho”in Jornal i, 16/04/2013.

“Fiquei perplexo porque se o tema é tão importante para o primeiro-ministro dizer isso, é estranho que não tenha conversado connosco” disse Fernando Ulrich [presidente executivo do BPI]”…

“Moody’s: “Bancos precisam de capital para absorver perdas”“, in Dinheiro Vivo, 13/04/2013.

“Quatro meses depois, a Moody’s volta a deixar o alerta: os bancos portugueses precisam de mais 8 mil milhões de euros para colmatar novas necessidades de capital” (…) “Pensamos que alguns bancos estão em risco de pedir mais capital se as perdas se materializarem”, afirmou Pepa Mori [analista da Moody’s] (…) “e isto [a cifra de 8 mil milhões de euros] num cenário mais conservador“…

“FMI: Bancos travam crédito mais favorável nos países periféricos”, in Dinheiro Vivo, 16/04/2013.

“Na área do euro, as melhores condições para os soberanos periféricos ainda não estão a passar para as empresas e as famílias porque os bancos continuam a coxear com pobres rendibilidades e capitais reduzidos, o que é um constrangimento à oferta de crédito”(…) “”Para além disso”, reconhece o FMI ao mais alto nível,em muitas economias a actividade será travada pela continuação do ajustamento orçamental, problemas de competitividade e balanços fracos“.”

Que dizer de tudo isto?!

Num contexto recessivo à escala europeia – correndo o risco de parecer optimista – , de grande instabilidade nas mais diversas dimensões – legal, fiscal, regulamentar, institucional, política até – , de graves constrangimentos financeiros soberanos, quem é que se arrisca a investir em Portugal?! Fora os grandes grupos económicos (e se calhar nem esses) só um intrépido empreendedor…

Se as necessidades de crédito são evidentemente modestas nesta conjuntura pouco (ou nada) favorável porquê insistir nessa demagogia de querer fazer chegar crédito à economia para a fazer crescer?!

Mais, se a banca – embora em auto-negação – se encontra assente em gelo muito fino – como alerta a Moody’s –  para quê acossá-la para conceder crédito se esta ainda vai ter muito com que se entreter com imparidades nos próximos tempos. Das duas uma: ou a pressionam para arrumar a casa ou para incorrer em mais riscos!

Foi o recurso ao crédito barato e irresponsavelmente facilitado que catalisou a grave crise que nos aflige. Repetir a dose seria pouco racional. Encaremos a realidade como ela é: sombria e nada acolhedora. Não há ajustamentos instantâneos nem indolores. O governo terá de ser muito mais engenhoso para colocar o país no trilho do crescimento sustentado e melhorar as condições de acesso ao crédito não pode ser, para nosso bem, o seu principal trunfo.

Além do mais, a história recente já demonstrou como se desmoronou o crescimento assente nesse tipo de cartas…

De Espanha, nem bons ventos, nem bom casamento…nem a fronteira!

Encaremos a realidade: a economia Portuguesa está encostada às cordas. Como se não bastasse debatermo-nos com a fadiga de um combate duro contra vários adversários – como a recessão económica, a desarticulação estrutural e o humor dos mercados financeiro – arriscamo-nos a perder a contenda por influência de um elemento externo que nos pode tirar (e atirar a)o tapete: a Espanha.

O país vizinho como é conhecido está em francas dificuldades:

– o desemprego é uma praga. Cerca de 25% da população não tem ocupação! Recorde do mundo pelos vistos!

– o sistema financeiro além de estar em estado comatoso, o que até já motivou um pacote de resgate – “só à banca” diria Rajoyencontra-se a braços com dificuldades extremas em financiar-se.

– tem ao leme um primeiro-ministro em auto-negação que está a dar ares de tresloucado.

Agora pelo visto juntam-se os próprios Espanhóis a fazer evaporar os euros que já estão em vias de extinção no seu sistema bancário. Ao que parece fugiram do país nos últimos 3 meses capitais correspondentes a 52.3% do seu PIB. Os particulares locais contribuíram com uma parcela correspondente a 16.7% do PIB ao passo que os estrangeiros  deram guia de marcha a 19.4% do PIB, tudo no último trimestre!

O resgate total do país vizinho parece estar ao virar da esquina e com isso mais ventos  contrários – ciclónicos – provenientes do outro lado da fronteira!

Droga – em breve – inócua

O presidente do Banco Central Alemão, Jens Weidmann, alertou para o efeito viciante  do programa de compra de dívida pública a ser levado a cabo ou pelo BCE ou pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF).

Esta medida de política monetária já veiculada um sem número de vezes configuraria uma prática em tudo semelhante ao que a Reserva Federal Americana (Banco Central dos EUA) accionou há já 4 anos: quantative easing ou monetização de dívida pública. Os objectivos passam por fazer descer – artificialmente – os juros da dívida soberana de um determinado país, ou países, inundando o sistema financeiro de liquidez. O propósito?!  Despoletar um ciclo virtuoso reduzindo o custo de oportunidade do investimento e do consumo e assim atenuar os efeitos dolorosos da desalavancagem generalizada da economia Europeia.

Enquanto essa purga não terminar – entenda-se redução da relação dívida/PIB – é contraproducente injectar liquidez no sistema financeiro. Só assim se consegue preservar (alguma d)a eficácia da política monetária. Que o digam os Japoneses…

Mais, a dimensão da dívida soberana europeia atinge tal magnitude que esta panaceia pode revelar-se infrutífera se não for percepcionada pelos participantes nos mercados de capitais como sendo eficaz.

Pior não pode ficar…Quem disse?!

As agências de notação financeira têm figurado entre os protagonistas na crise que se vive.

No entanto os muitos dos seus estudos e análises têm bastante relevância para as tomadas de decisões quer de investidores quer de governantes. Isto porque a divulgação das suas constatações acaba por condicionar positivamente a liderança de países ou organizações. Em relação a Portugal, a S&P lançou o alerta para as dívidas contingenciais assumidas pelo Estado para desonerar PPP’s e a banca. À partida esta teia de contingências melhorará o cenário para todas as partes envolvidas no entanto o risco para o contribuinte subiu consideravelmente!

Já agora acrescente-se que há outro “buraquinho” negro que convém não menosprezar: as dívidas das autarquias e das empresas locais!